domingo, 18 de setembro de 2011

Incinerando as provas do fracasso



D.M. Santos

O Governo Regional continua empenhado na construção de duas incineradoras para queimar os resíduos sólidos urbanos (RSU) das ilhas de São Miguel e Terceira. E isto apesar dos elevadíssimos custos económicos que implica, perto de 130 milhões de euros só na construção, e dos grandes prejuízos que coloca para a saúde e o ambiente. E também, especialmente, apesar da incapacidade para resolver correctamente o problema da gestão dos RSU.

Fala-se de que as incineradoras vão solucionar a crescente acumulação de RSU nos aterros sanitários. Mas qual é a causa desta acumulação? A causa, claro está, é a falta de reciclagem dos resíduos. Ora, as incineradoras o que vão incentivar é uma menor reciclagem. Como as incineradoras precisam de resíduos para funcionar, vão desviar resíduos dos programas de reciclagem e encaminhá-los para as suas caldeiras, pois esta é a única forma em que vão poder ser rentáveis. O seu interesse é que haja cada vez mais produção de lixo e que este seja cada vez menos reciclado.

Outro argumento utilizado a favor da incineração é que esta serve para produzir energia eléctrica mediante a combustão do lixo. É a chamada valorização energética. Mas esta pomposa designação cai por terra quando ficamos a saber que a reciclagem recupera de três a cinco vezes mais energia que a incineração. Assim, cada vez que o lixo é queimado e não reciclado, está a desaproveitar-se uma enorme quantidade de energia., As incineradoras, na realidade, são mecanismos de desvalorização energética. Também em relação às emissões de gases de efeito estufa, a reciclagem pode poupar até 25 vezes mais emissões de CO2 do que a opção da incineração.

Qual é então a autêntica razão para a construção destas incineradoras? A razão, claro está, é o fracasso das políticas de gestão dos RSU e a incapacidade dos actuais responsáveis para conseguir uma solução. Uns aterros sanitários cada vez mais cheios demonstram o fracasso das políticas seguidas. E a incineração significa, neste contexto, a queima das provas desse fracasso. Queimando os resíduos, estes desaparecem. E não parece haver já motivo para perguntar-se por que não foram reciclados, nem quem foi o responsável.

Mas infelizmente os resíduos não desaparecem. Ao ser incinerados, os RSU são transformados em compostos químicos perigosos, alguns deles muito nocivos para a saúde. Uns sólidos e outros gasosos. Os sólidos têm de ser encaminhados para um aterro sanitário especial, de muito mais cara manutenção. E os gasosos simplesmente vão para o ar, onde vão colocar em perigo o ambiente e a nossa saúde.

Bastante preocupantes são também as disparatadas declarações feitas pelos responsáveis políticos defensores da incineração. Assim, há pouco tempo ouvimos dizer, por boca dum deles, que a incineração “tem níveis de poluição muito menores do que a produção de geotermia”. E ainda outro disse que com a incineração “estamos a valorizar ambientalmente a qualidade do ar”. Podemos alguma vez confiar no juízo de pessoas capazes de fazer declarações tão absurdas?

Entretanto, vamos continuar sem uma política de RSU verdadeiramente respeitadora do ambiente e poupadora de energia. Continuaremos sem uma aposta firme na redução e na reciclagem. E continuaremos sem um sistema para o aproveitamento do lixo orgânico, capaz de beneficiar a agricultura e aumentar a fertilidade dos solos. Isto último será assim tão difícil e complicado, considerando que os nossos avós e bisavós já o faziam?

Fonte: http://osverdesacores.blogspot.com/2011/09/incinerando-as-provas-do-fracasso.html