quinta-feira, 10 de outubro de 2013



Cinco anos sem Veríssimo Borges

Ontem, dia 8 de Outubro, fez cinco anos que Veríssimo de Freitas Borges nos deixou.

Já por diversas vezes escrevi sobre os nossos encontros e desencontros, sobre as batalhas que travámos juntos e sobre a enorme falta que faz à manta de retalhos que era o movimento ambientalista que, depois de um período de núpcias com o Governo Regional dos Açores, acabou por (quase) desaparecer do mapa.

Hoje, não pretendo repetir-me, mas aproveito a oportunidade para recordar algumas das questões que eram levantadas/contestadas por ele e que ainda não perderam atualidade, com destaque para a incineração de resíduos sólidos urbanos que contra ventos e marés parece que está a avançar com a cumplicidade/financiamento da EU, sempre hipócrita a “enviar” fundos sem se preocupar se os mesmos são ou não utilizados em investimentos reprodutivos. Também não poderia deixar cair no esquecimento a obra faraónica, pelos gastos envolvidos, cujo montante nunca se chegará a conhecer, da estrada para a Fajã do Calhau que parece não resistir à erosão de nem uma mão cheia de anos e que ele, em devido tempo, tão bem soube contestar.

Neste texto, tentarei recordar um pouco a intervenção política do Veríssimo Borges que não começou com a implantação da democracia a 25 de Abril de 1974. Para isso recorri-me a informações retiradas do livro “A oposição ao Salazarismo em São Miguel e em outras ilhas açorianas” e ao que me lembro das conversas que com ele mantive ao longo de alguns anos, sobretudo depois da sua integração no movimento SOS-Lagoas, de que já fazia parte desde o início, e mais intensamente durante alguns meses em que frequentamos o mestrado de educação ambiental, na Universidade dos Açores.

Já Salazar havia caído da cadeira quando se realizaram eleições para o parlamento nacional, em 1969. Neste ano foi elaborada a “Declaração de Ponta Delgada”, da candidatura Independente às eleições para deputados, tendo como redator principal Ernesto Melo Antunes. Veríssimo Borges, então estudante, foi um dos subscritores da Declaração e durante as férias participou “em muitos actos de pré-campanha”. No mesmo ano, Veríssimo Borges, havia sido detido pela PIDE, no dia primeiro de Maio, no Rossio, por estar a distribuir panfletos sobre uma manifestação comemorativa do Dia do Trabalhador.

De esquerda, mas sem complexos, Veríssimo Borges era convidado e aceitava participar em iniciativas das mais diversas organizações partidárias, independentemente do seu posicionamento ideológico. Para ele, a ecologia não estava à esquerda nem à direita, estava em primeiro lugar.

 Um dia numa aula ministrada pela Doutora Ana Moura Arroz, quando estava em debate a participação cívica e política, os vários alunos expuseram as suas ideias e posicionaram-se face às várias correntes políticas e ideológicas, tendo o Veríssimo Borges dito que se considerava “anarquista autoritário”, o que não deixa de ser uma contradição para quem defende que a anarquia não é a desordem, mas a “ordem sem a coação”.

Já com a doença devidamente identificada, o Veríssimo quis participar em mais uma batalha, a de uma campanha eleitoral para a Assembleia Regional dos Açores, integrado numa lista do Bloco de Esquerda. A este propósito, cito abaixo uma sua “justificação” para o facto e para a aceitação de um convite por parte do Correio dos Açores:

“O diagnóstico de cancro incurável abriu-me o apetite para, no curto prazo, me dedicar à luta política pelo Ambiente e Desenvolvimento Sustentável no âmbito da Assembleia Legislativa e respectivas Comissões. Para tal basta ser eleito, à boleia de açorianos suficientes, já que o Bloco de Esquerda honrosamente me cedeu o 2º lugar das suas listas, com total garantia de independência.
Com esta mesma independência aceitei, sem interferência partidária, o convite do Correio dos Açores para ir publicando (à margem das campanhas eleitorais) uma sucessão de artigos representativos de outras tantas iniciativas a que pretendo dar prioridade na minha acção parlamentar.”

O Veríssimo não venceu a batalha eleitoral, nem a batalha da doença, mas nunca desistiu. Por isso está sempre ao meu lado e estará sempre presente entre nós.


Teófilo Braga


(Correio dos Açores, nº 2918, 9 de Outubro de 2013, p.16)