Cinco anos sem Veríssimo Borges
Ontem, dia 8 de
Outubro, fez cinco anos que Veríssimo de Freitas Borges nos deixou.
Já por diversas
vezes escrevi sobre os nossos encontros e desencontros, sobre as batalhas que
travámos juntos e sobre a enorme falta que faz à manta de retalhos que era o
movimento ambientalista que, depois de um período de núpcias com o Governo
Regional dos Açores, acabou por (quase) desaparecer do mapa.
Hoje, não
pretendo repetir-me, mas aproveito a oportunidade para recordar algumas das
questões que eram levantadas/contestadas por ele e que ainda não perderam
atualidade, com destaque para a incineração de resíduos sólidos urbanos que
contra ventos e marés parece que está a avançar com a cumplicidade/financiamento
da EU, sempre hipócrita a “enviar” fundos sem se preocupar se os mesmos são ou
não utilizados em investimentos reprodutivos. Também não poderia deixar cair no
esquecimento a obra faraónica, pelos gastos envolvidos, cujo montante nunca se
chegará a conhecer, da estrada para a Fajã do Calhau que parece não resistir à
erosão de nem uma mão cheia de anos e que ele, em devido tempo, tão bem soube
contestar.
Neste texto,
tentarei recordar um pouco a intervenção política do Veríssimo Borges que não
começou com a implantação da democracia a 25 de Abril de 1974. Para isso
recorri-me a informações retiradas do livro “A oposição ao Salazarismo em São
Miguel e em outras ilhas açorianas” e ao que me lembro das conversas que com
ele mantive ao longo de alguns anos, sobretudo depois da sua integração no
movimento SOS-Lagoas, de que já fazia parte desde o início, e mais intensamente
durante alguns meses em que frequentamos o mestrado de educação ambiental, na
Universidade dos Açores.
Já Salazar havia
caído da cadeira quando se realizaram eleições para o parlamento nacional, em
1969. Neste ano foi elaborada a “Declaração de Ponta Delgada”, da candidatura
Independente às eleições para deputados, tendo como redator principal Ernesto
Melo Antunes. Veríssimo Borges, então estudante, foi um dos subscritores da
Declaração e durante as férias participou “em muitos actos de pré-campanha”. No
mesmo ano, Veríssimo Borges, havia sido detido pela PIDE, no dia primeiro de
Maio, no Rossio, por estar a distribuir panfletos sobre uma manifestação
comemorativa do Dia do Trabalhador.
De esquerda, mas
sem complexos, Veríssimo Borges era convidado e aceitava participar em
iniciativas das mais diversas organizações partidárias, independentemente do
seu posicionamento ideológico. Para ele, a ecologia não estava à esquerda nem à
direita, estava em primeiro lugar.
Um dia numa aula ministrada pela Doutora Ana
Moura Arroz, quando estava em debate a participação cívica e política, os
vários alunos expuseram as suas ideias e posicionaram-se face às várias
correntes políticas e ideológicas, tendo o Veríssimo Borges dito que se
considerava “anarquista autoritário”, o que não deixa de ser uma contradição
para quem defende que a anarquia não é a desordem, mas a “ordem sem a coação”.
Já com a doença
devidamente identificada, o Veríssimo quis participar em mais uma batalha, a de
uma campanha eleitoral para a Assembleia Regional dos Açores, integrado numa
lista do Bloco de Esquerda. A este propósito, cito abaixo uma sua
“justificação” para o facto e para a aceitação de um convite por parte do
Correio dos Açores:
“O diagnóstico de cancro incurável abriu-me
o apetite para, no curto prazo, me dedicar à luta política pelo Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável no âmbito da Assembleia Legislativa e respectivas
Comissões. Para tal basta ser eleito, à boleia de açorianos suficientes, já que
o Bloco de Esquerda honrosamente me cedeu o 2º lugar das suas listas, com total
garantia de independência.
Com esta mesma independência aceitei, sem
interferência partidária, o convite do Correio dos Açores para ir publicando (à
margem das campanhas eleitorais) uma sucessão de artigos representativos de
outras tantas iniciativas a que pretendo dar prioridade na minha acção
parlamentar.”
O Veríssimo não venceu a batalha
eleitoral, nem a batalha da doença, mas nunca desistiu. Por isso está sempre ao
meu lado e estará sempre presente entre nós.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2918, 9 de
Outubro de 2013, p.16)