quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (2)



Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (2)

No texto anterior, apresentámos alguns marcos importantes relacionadas com a defesa do ambiente e a educação ambiental que ocorreram na segunda metade do século XIX.
No texto de hoje, damos continuidade ao proposto através da divulgação de alguns acontecimentos ocorridos na primeira metade do século XX.

Em 1901, o estado português publica legislação relativa ao Regime Florestal e à Defesa dos Povoamentos Florestais e no ano seguinte, em 1902, a 19 de março, foi assinada, em Paris, a Convenção Internacional para a Proteção das Aves Úteis à Agricultura.

Em 1905, foi fundada, em Nova Yorque, nos E.U.A., a National Association on Audubon Societies for the Protection of Wild Birds and Animals, designada atualmente por National Audubon Society. O seu primeiro presidente foi o fotógrafo amador de aves, ornitólogo e homem de negócios William Dutcher (1846 -1920), mas o seu nome foi uma homenagem a John Audubon, o mais ilustre e conhecido ilustrador de história natural do século XIX, que nasceu em 1785, Santo Domingo, hoje Haiti, e faleceu em 1851, em Nova Yorque.

Em 1909, o naturalista suíço, Paul Sarasin (1856-1929), propôs a criação de um comité para preparar a criação de uma Comissão Mundial para a Proteção da Natureza. A sua ideia só foi concretizada 39 anos depois com a fundação da UIPN- União Internacional para a Proteção da Natureza. No mesmo ano, foram criadas a Liga Suíça para a Protecção da Natureza, a Sociedade Sueca para a Protecção da Natureza, a Wildlife Preservation Society (Austália) e a National Conservation Associaton (EUA).

Em 1910, ocorreu, nos EUA, um desastre ecológico com petróleo. Com efeito, entre março daquele ano e setembro de 1911, no vale de S. Joaquim, houve um derramanento de petróleo devido à explosão no poço Lakeview Gusher. Estima-se que foram libertados cerca de 9,4 milhões de barris, destes apenas a metade foi recuperada.

Em 1922, foi fundado, em Londres, num encontro que contou com a presença de 40 países, o Conselho Internacional para a Proteção das Aves (ICBP).

Em 1948, em França, foi criada a União Internacional para a Conservação da Natureza no decorrer da Conferência Internacional de Fontainebleau realizada com o apoio da UNESCO, criada três anos antes.

No mesmo ano, em Portugal foi criada a LPN - Liga para a Proteção da Natureza, que tem por missão “contribuir para a Conservação da Natureza e para a defesa do Ambiente, numa perspetiva de desenvolvimento sustentável, que assegure a qualidade de vida às gerações presentes e vindouras”.

Na origem da criação da LPN está o seguinte apelo, em 1947, do poeta Sebastião da Gama ao Eng. Miguel Neves para que intervenha no sentido de impedir a destruição da Mata do Solitário na Arrábida:

"Senhor Engenheiro Miguel Neves.
Socorro! Socorro! Socorro! O José Júlio da Costa começou (e vai já adiantada) a destruição da metade da Mata do Solitário que lhe pertence. Peço-lhe que trate imediatamente. Se for necessário restaure-se a pena de morte. SOCORRO!"

O Prof. Carlos Baeta Neves (1916-1992), Eng.º Silvicultor e Professor Catedrático do Instituto Superior de Agronomia, tendo tomado conhecimento do apelo, interveio, tendo conseguido impedir a destruição da mata. No ano seguinte, em 1948, fundou a mais antiga organização não-governamental de ambiente da Península Ibérica, a LPN.

Em 1949, é publicado, postumamente o livro de Aldo Leopold (1887-1948), Almanaque do País das Areias, que para alguns autores é o “livro mais importante alguma vez escrito”.

No seu livro, traduzido para português com o título “Pensar como uma Montanha”, a propósito dos professores Aldo Leopold escreveu:

“Cada um deles [professores] seleciona um instrumento e passa a vida a separá-lo dos outros e a descrever-lhe as cordas e teclados….Um professor pode tanger as cordas do seu próprio instrumento, mas nunca as de um outro, e se conseguir ouvir a música nunca deverá admiti-lo junto dos seus pares ou dos seus alunos. Pois todos estão coibidos por um tabu férreo que decreta que a construção dos instrumentos é do domínio da ciência, ao passo que a deteção da harmonia é do domínio dos poetas”.
(continua)

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31442 de 31 de janeiro de 2018, p.17)

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Tourada é tortura

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (1)


Alguns marcos históricos da educação ambiental e da defesa do ambiente (1)

A maioria dos autores considera que a educação ambiental surgiu na década de 70 do século passado com o objetivo de procurar soluções para a crise ecológica que estava associada à exploração capitalista dos recursos naturais. Assim, a educação ambiental não se limita a fornecer aos indivíduos mais informação e formação, ensina-lhes, também, a utilizar judiciosamente o ambiente.

De acordo com as recomendações da Conferencia de Tbilisi, realizada na ex- URSS, em Outubro de 1977, o princípio geral da educação ambiental é:

“Fazer compreender às pessoas e às comunidades a natureza complexa resultante dos fatores físicos, biológicos, sociais, económicos e culturais do ambiente natural e urbano e dar a estas pessoas ou comunidades a oportunidade de adquirir os conhecimentos, os valores, as atitudes e as aptidões práticas que lhes permitam ajudar de uma maneira responsável e eficaz a prever e resolver os problemas ecológicos e gerir a qualidade do ambiente.”

Antes de entrar no tema proposto, refiro que entre nós a educação ambiental já teve melhores dias. Assim, hoje não questionando a relação homem-natureza ou o modo de produção e de consumo, as ações são pontuais, plantando-se árvores nas escolas no Dia da Floresta que acabam por morrer no Verão seguinte por falta de rega e só se fala em reciclagem quando se devia ensinar a consumir com parcimónia e apostar na redução e na reutilização.

Depois desta introdução, apresento alguns marcos importantes da educação ambiental e da defesa do ambiente que começaram muito antes da data mencionada no início do texto.

Em 1854, um dos maiores vultos da literatura americana, Henry David Thoreau (1817-1862) publicou o livro “Walden ou a Vida nos Bosques” que é considerado como um dos melhores livros escritos sobre a Natureza.

Sobre esta importande obra de um dos principais inspiradores do movimento naturalista e o pai do movimento da conservação da natureza nos Estados Unidos, José Carlos Costa Marques, um dos históricos do movimento ecologista português, escreveu:

“…uma série de dezoito ensaios que descrevem a forma como aí viveu, numa existência simples e auto- suficiente, a sua intimidade com os pequenos animais com que contactava, os sons, os cheiros, o aspecto dos bosques e da água nas várias estações, os sons do vento. «Um homem é rico em proporção ao número de coisas que se pode dar ao luxo de não ter» “, escreveu ele em Walden”.

Em 1864, no seu livro “Homem e Natureza: ou a geografia física modificada pela ação humana”, o diplomata e político norte-americano George Perkins Marsh (1801-1882) colocou em evidência “os perigos da interferência humana no ambiente”.

Em 1866, o biólogo e médico alemão, Ernst Haeckel (1834-1919), propõe o vocábulo “ecologia” para “definir os estudos a serem realizados sobre as relações entre as espécies e seu ambiente”.

Em 1872, foi criado o primeiro parque nacional do mundo, o Yellowstone National Park, localizado nos estados de Wyoming, Montana e Idaho, nos Estados Unidos da América.

De acordo com Andréa Pelicioni, em 1883, no Brasil, o político e historiador Joaquim Nabuco (1849-1910) denunciou, entre outros, “o esgotamento da fertilidade dos solos no Rio de Janeiro” e “a ganância da indústria extrativista na Amazonia”.

Ainda no século XIX, John Muir (1838-1914), escocês emigrado nos EUA, funda o “Sierra Club”, a primeira organização do mundo dedicada à preservação da natureza selvagem.

John Muir teve uma grande influência sobre as políticas de conservação da natureza nos Estados Unidos, tendo, segundo José Carlos Marques visto o seu trabalho reconhecido pelo presidente Theodore Roosevelt que sobre ele escreveu o seguinte:

“Muir tinha uma alma destemida. Os seus livros são deliciosos … ele foi também, o que é dado a poucos amantes da natureza, um homem capaz de influenciar o pensamento e a acção contemporâneos sobre as questões a que tinha consagrado a sua vida. Foi um grande factor de influência sobre o pensamento da Califórnia e do país inteiro no sentido da preservação desses grandes fenómenos naturais - canyons maravilhosos e árvores gigantes, encostas brilhantes de flores... a nossa geração deve muito a John Muir.”

(continua)

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31430, 17 de janeiro de 2018, p. 14)



terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Torda-anã


Torda-anã

Foi encontrada no Pico da Pedra, no dia 15 de janeiro uma ave marinha, denominada torda-anã (Alle alle) que possui plumagem preta e branca, com bico espesso e curto.

De acordo com a Wikipédia, “ nidifica nas regiões árcticas em latitudes muito elevadas (80 graus N) e inverna normalmente no mar acima do Círculo Polar Árctico (por exemplo no Mar de Barents, no estreito da Dinamarca e no Mar da Noruega). Mais para sul é pouco comum, sendo excepcional a sua ocorrência em Portugal.”

Esta ave que não é muito comum aparecer nos Açores, foi assinalada pela primeira vez por Godman na publicação “On the Birds of the Azores”, datada de 1866.

Damos os parabéns ao sr. Filipe Travassos que a recolheu e que tudo fez para que a ave fosse devolvida à liberdade depois, de devidamente observada por quem de direito.

Ainda ontem foi contatado o Centro de Reabilitação de Aves Selvagens de São Miguel que ficou de vir buscar a ave ao Pico da Pedra. Esperamos que o tenha feito.

Nota- agradecemos a Gerbrand Michielsen pela sua pronta identificação da ave.

Pico da Pedra, 16 de janeiro de 2018
TB

sábado, 13 de janeiro de 2018

Tourada à corda é violência gratuita e desrespeito


Tourada à corda é violência gratuita e desrespeito

Não pode ser Património CulturaI Imaterial

Como se não houvesse mais nada de verdadeiramente útil para fazer em defesa da sua terra, os Açores, a deputada do Partido Socialista Lara Martinho, da Ilha Terceira, propôs, na Assembleia da República, que a tourada à corda seja classificada como Património Cultural Imaterial de Portugal.

Se esta pretensão já é má, péssima é a opinião do Ministro que devia ser da Cultura que admitiu que tal seja possível.

O Movimento pela Abolição da Tauromaquia de Portugal (MATP) já se pronunciou negativamente sobre a referida proposta e é uma das organizações subscritoras de uma petição (http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=tcordanaoepatrimonio) que entre outros assuntos denuncia as intenções e colocar as touradas à corda, que anualmente causam, em média, mais de 300 feridos e uma pessoa morta, na lista do Património Cultural Imaterial. As touradas, com ou sem corda devem ser colocadas no devido lugar, isto é no caixote do lixo da História.

Pelos animais, vítimas dos humanos, e pelos humanos, vítimas da ganância da indústria tauromáquica, tudo faremos para impedir que tal aberração aconteça.

(Vídeo ilustrativo do que é uma tourada à corda: https://www.youtube.com/watch?v=QBzu7ZBfOoI )

13 de janeiro de 2018
MATP/Açores

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Contributos para a história da tauromaquia e da oposição à mesma na ilha de São Miguel (Açores): Séculos XIX e XX




Introdução

Quer se goste ou não, a verdade é que as touradas são uma anacrónica tradição da ilha Terceira que persiste até hoje com o apoio descarado das entidades governamentais e com a hipócrita ajuda da Comunidade europeia que não ignora que os apoios comunitários também servem para o fomento da criação de gado bravo.
Não podemos ignorar que alguns terceirenses, sobretudo os que lucram com a exploração animal, mais do que preocupados em manter a tradição tudo fazem para expandir o negócio, o que tem acontecido com mais ou menos sucesso nas outras ilhas, como é o caso da ilha Graciosa, onde numa primeira fase as touradas foram repudiadas.
Na ilha de São Miguel, com apoio de governantes, tudo têm feito para que os maus tratos a bovinos para divertimento se generalizam.
Neste texto, sintetiza-se o ocorrido nesta ilha antes do presente século e dá-se a conhecer algumas posições contra as touradas.
Não está fora do nosso propósito, num futuro que não queremos muito longínquo, descrever o que aconteceu no presente século e denunciar as pessoas individuais e coletivas envolvidas na promoção de touradas e outros tristes espetáculos com bovinos.

São Miguel, 2 de janeiro de 2018
José Soares



Contributos para a história da tauromaquia e da oposição à mesma na ilha de São Miguel (Açores): Séculos XIX e XX

É antiga, não há dúvidas, a prática de maltratar animais, tal como àquela sempre esteve associada a oposição aos maus tratos. O caso da tauromaquia não foge à regra, havendo ao longo dos tempos várias vozes que se opuseram à mesma em todos os países do mundo onde aquela existe ou já existiu.
No século XIX, a oposição à tauromaquia na ilha de São Miguel fez-se através das páginas dos jornais “O Repórter” e “O Sul”.
“O Repórter” dirigido por Alfredo da Câmara, um dos fundadores da Sociedade Micaelense Protetora dos Animais, no dia 11 de abril de 1897, num texto intitulado “Guerra de Morte às touradas” para além de criticar a tauromaquia, faz ironiza com as reportagens tauromáquicas e satiriza os jornais que a promovem.
Sobre os jornais podemos ler o seguinte: “

“Assim, vai dedicando à santa missão da educação do povo, extensos artigos em que relata até às últimas minudências as peripécias selváticas acontecidas nas touradas, soltando ao mesmo tempo profundos e dolorosos gemidos porque os touros perderam a ferocidade que apresentavam noutro tempo.
Estas lamentações fazem-nos crer que o touro é menos refratário à civilização do que o próprio homem, pois que vai diminuindo de ferocidade, enquanto o homem aumenta.”

Sobre os repórteres, o extrato seguinte diz-nos tudo sobre o pensamento do autor do texto:
“…Segue-se àquela interessantíssima narração uma outra em telegrama de Valência referindo que “os touros de Saltillo saíram muito bons”.
Se cá os houvesse assim, pagava-se com certeza o deficit.
“Morreram 14 cavalos”, diz ainda o telegrama.

Não pode haver espetáculo mais comovente e que melhor satisfaça um coração bem formado do que ver morrer 14 cavalos, em agonia prolongadíssima com o corpo transformado num crivo, deixando passar pelos buracos os intestinos, arrastando-os pela arena e pisando-os muitas vezes com as próprias patas!

O selvagem do correspondente do “Século” devia exultar de satisfação todas as vezes que via desaparecer as armas do touro no corpo de um misero cavalo, que recebia assim o pagamento dos serviços que prestou ao homem durante toda a vida trabalhando para ele!

Termina o selvagem a sua notícia dizendo que “foi uma corrida magnífica”!...

O jornal semanal “O Sul” , que se publicou em Vila Franca do Campo, em Julho de 1898, ridicularizou os espanhóis aficionados das touradas, através de um texto magistral que com as devidas alterações e atualizações se aplica ao que está a acontecer hoje na ilha Terceira, onde perante uma situação que poderá ser dramática para a mesma, em termos de aumento de desemprego, com a saída de militares norte-americanos da Base das Lajes, as elites quase só pensam em touradas. Para memória futura e porque é mais esclarecedor do que um resumo, aqui fica um excerto do texto mencionado:
“Viva los Toros
Ao passo que em Cuba e nas Filipinas os soldados espanhóis caem varados pelas balas dos insurgentes, a população de Madrid entrega-se levianamente ao seu espetáculo favorito, como se o estado do país fosse o mais próspero possível.
Há dias houve ali uma bezerrada, em que tomaram parte atores, jornalistas, etc.
Entretanto a pátria gemia..,.
Pois não gema!
A nacionalidade vai-se perdendo…
Pois não se perca!
E as derrotas têm sido formidáveis…
Que se amanhem!
….”
A 26 de outubro de 1920, o Diário dos Açores publicou um aviso, assinado pelo Barão da Fonte Bela, onde se pode ler que em reunião foi decidido, por unanimidade, passar o capitão subscrito da Empresa Tauromáquica para a “nova industria açoriana de fiação e tecidos”. Na mesma reunião foi indicada a comissão encarregada de elaborar os estatutos da nova empresa cuja constituição é a seguinte: Conselheiro Dr. Luís Bettencourt de Medeiros e Câmara, Frederico Carlos Santos Ferreira, Filigénio Pimentel, António Taveira do Canto Brum e Horácio Teves.

Em 1924, o jornal Correio dos Açores noticiou “para muito breve, algumas corridas de touros” em Ponta Delgada, esperando-se a chegada do toureiro Angelo Herren que vinha escolher o local onde iriam ser “lidados bravos touros do importante lavrador Corvelo, da Terceira”.
De acordo com o Correio dos Açores, de 16 de Julho de 1922 , viviam na Terceira dois irmãos Corvelo, o Manuel e o Cândido, que eram os maiores criadores de gado manso e bravo dos Açores.

Fonte: Correio dos Açores, de 16 de Julho de 1922
Ainda de acordo com a notícia que vimos citando, apesar da sua riqueza, “nunca se calçaram e descalços tomavam parte em sessões da Junta Geral, no exercício do mandato de Procuradores, sendo sempre a sua voz escutada com respeito”.
Por último, através do mesmo texto ficamos a saber que, para além de grandes lavradores e proprietários, eram também “dois grandes corações e dois perfeitos homens de bem” que gostavam de bem receber quem os visitava. Tal aconteceu aquando de uma ida à Terceira de um grupo de micaelenses, em 1919, que foram muito bem acolhidos “durante uma ferra de gado organizada em sua honra, a que compareceram alguns milhares de pessoas”.
Em 1933, a revista Insula, nº 17, de maio daquele ano publicitava a realização de uma tourada integrada num “Festival na Lagoa das Furnas”


Em janeiro de 1942, o Correio dos Açores noticiou a vinda de um ganadeiro da ilha Terceira com o objetivo de estudar a possibilidade de introduzir em São Miguel touradas de praça e à corda.
Na mesma notícia, o redator referiu que era “de esperar que sejam satisfatórios os planos de estudo a realizar, devendo já para a próxima época ser corridos em Ponta Delgada touros em praça e à corda nas várias regiões desta ilha”.
Para além das investidas na ilha de São Miguel, alguns terceirenses sempre que acolhiam pessoas de outras paragens com segundas intenções ou não, tudo fazem para que os mesmos assistam a atividades relacionadas com a tauromaquia. A título de exemplo, menciona-se que, em 1960, aquando da visita à Terceira de um grupo de estudantes micaelenses em que participaram o então aluno João Bosco da Mota Amaral e o vice-reitor Dr. José de Almeida Pavão Jr.., logo no primeiro dia, a seguir ao almoço, foram levados para uma tenta que, para Cristóvão de Aguiar , outro dos participantes, é “uma espécie de tourada de praça com novilhos”
Desconhecemos se chegou a haver espetáculos tauromáquicos resultantes destas duas tentativas da indústria tauromáquica, mas a 25 de março de 1961, o Correio dos Açores , num texto intitulado “Touradas em São Miguel” informa que “há muitos anos para os lados da Vitória, houve uma “experiência” tauromáquica em São Miguel, que malogrou”.
Em 1961, de acordo com o referido jornal a indústria tauromáquica voltou a investir no mercado micaelense através da juventude liceal de Angra que se deslocou a Ponta Delgada trazendo consigo touradas de praça e de corda.
No referido ano, a tortura andou à solta, em Ponta Delgada, tendo ocorrido várias touradas que mancharam algumas festas religiosas a que não escapou a realizada em homenagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
No ano mencionado, “o domingo de Páscoa, assinalado na vida lisboeta, como o da abertura oficial do Campo Pequeno, foi escolhido para ser entre nós o da moderna tentativa de uma tourada de praça, a qual terá lugar no recinto do Cine Solar, pelas 16 horas, em que farão a sua aparição dois espadas, três bandarilheiros e um grupo de sete forcados capitaneados por Carlos Alcáçova”.
A publicidade do evento foi entregue à SPAL e o diretor da tourada de praça foi o Dr. Rafael Valadão dos Santos, sendo o empresário Marcelo Pamplona o qual tinha a pretensão de, se o espetáculo vingasse, passar a exercer a sua atividade em duas ilhas.
No dia seguinte, também pelas 16 horas, realizou-se uma tourada à corda na Avenida Príncipe do Mónaco.
Em 1961, as festas da cidade de Ponta Delgada, as maiores festas religiosas dos Açores, realizadas em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres foram manchadas pelo derramamento de sangue de animais (touros) para pura diversão de alguns sádicos que se dizem humanos. Com efeito, a Agência de Publicidade SPAL voltou a colaborar com um grupo de terceirenses na organização de dois festivais tauromáquicos que se realizaram nos dias 8 e 11 de maio, respetivamente segunda-feira e quinta-feira do Santo Cristo.
Nesta segunda investida da indústria tauromáquica terceirense, em 1961, recorde-se que a primeira ocorreu pela Páscoa, para além de touros das ganadarias de José de Castro Parreira e José Diniz Fernandes, vieram da ilha Terceira os amadores Henrique Parreira e Amadeu Simões e o grupo de forcados chefiados pelo cabo Osvaldo Simões que na sua estreia terá feito uma pega de costas. Para as duas touradas de praça, veio “expressamente de Madrid” o famoso matador espanhol Luís Lucena.
Na segunda tourada realizada o cabo dos forcados foi levado pelo touro de um extremo ao outro da praça até embater num muro. Levado ao hospital pela ambulância dos bombeiros voluntários foi-lhe diagnosticada “uma simples comoção sem fracturas” .
Para além das duas touradas, realizou-se uma garraiada onde atuaram oito “neófitos micaelenses”.
De acordo com o jornal Correio dos Açores os três novilhos foram lidados por António Manuel da Câmara Cymbron, Luís Ricardo Vaz Monteiro de Vasconcelos Franco e Henrique Machado Soares e como forcados atuaram Victor Manuel Rebelo Borges de Castro, Luís Fernando da Câmara Cymbron e João de Sousa Duarte com o auxílio de Luís Manuel Athayde Mota e António Manuel Rebelo Borges de Castro.
Na altura, o entusiasmo pelas touradas era tanto que era muito falada a construção de uma Praça de Touros em Ponta Delgada, tendo sido aventados um terreno pertencente à Câmara Municipal de Ponta Delgada na rua da Mãe de Deus, em frente ao Foral da Misericórdia, e um outro pertencente a particulares localizado em São Gonçalo.
A adesão de alguns micaelenses às touradas em 1961 causou algum pânico na ilha Terceira como se poderá confirmar através de alguns textos publicados nos jornais daquela ilha.

Assim, a 20 de Abril de 1961, a ANI transcreveu uma notícia do Diário Insular onde se afirmava que uma subscrição para a construção de uma praça de touros em São Miguel já havia recolhido cerca de 2000 contos. Na mesma notícia ainda se pode ler o seguinte: E a piada reside exactamente, desde que se confirme a notícia da tal subscrição, no facto de S. Miguel ameaçar desviar da Terceira o centro tauromáquico do arquipélago com a construção de uma praça que, naturalmente, destronaria a velha Praça de S. João” e continua: “Podem não achar-lhe qualquer piada os aficionados terceirenses, mas a verdade é que o facto não deixa de a ter. Ou não terá?”
De igual modo, o Jornal A União, citado pelo Correio dos Açores, de 4 de Maio de 1961, também publicou um texto intitulado “Virou-se o feitiço…” onde a dado passo pode ler-se:

“Por bem fazer…mal haver. A embaixada académica (Liceu) que foi a S. Miguel e quis levar até aos nossos irmãos micaelenses um pouco daquela descuidada alegria que as Touradas emprestam à mocidade terceirense, deve estar agora convencida de que, indo “por bem”, o seu esforço redundou num péssimo serviço prestado à ilha Terceira. Lançando em Ponta Delgada o “vírus” da Festa Brava, mudaram possivelmente o “eixo” desse atractivo até há pouco “exclusivamente terceirense” em terras Açorianas, criando-se mais uma situação “subsidiária” de que não será fácil furtar-nos dentro de pouco tempo”.

Ainda a atestar o interesse pelas touradas, o Correio dos Açores noticiou a organização de uma excursão de micaelenses à Terceira para assistirem a uma tourada de gala que se realizou a 3 de julho de 1961 e que contou com a participação do toureiro português António dos Santos e do “matador” espanhol Orteguita, onde foram corridos touros vindos do continente português.

Em 1962, o jornal “A União”, de 8 de março, publicou um artigo assinado por Estirau, onde este se refere à criação, em São Miguel, de um Clube Taurino que já possuía uma sede “com livros, revistas e jornais da especialidade” e acrescenta que os promotores da iniciativa já possuíam 2000 contos para a construção de uma praça de touros.
Sobre o futuro das touradas em São Miguel, o autor mencionado previa, com alguma tristeza, que seriam um sucesso, nos seguintes termos: “depois de se acostumarem a tal divertimento não querem outro, e nós, terceirenses, ficamos em 2º lugar”.