sexta-feira, 4 de junho de 2010

EM DEFESA DO MUNDO RURAL?



Gasta, por abuso, a moda de praticar as mais diversificadas barbaridades (lembram-se da construção da Estrada para a Fajã do Calhau para combater as plantas infestantes?) em nome do desenvolvimento sustentável, já que capitalismo e uma sociedade mais justa, limpa e pacífica são incompatíveis, chegou aos Açores a moda de tudo fazer invocando a defesa do mundo rural.
Apresentada como uma grande conquista da modernidade, a redução do número de activos, na agricultura, sem a criação de quaisquer alternativas viáveis a longo prazo, traduz-se na desertificação humana das zonas rurais e no abandono da produção agrícola, mesmo a de auto-subsistência. Com efeito, hoje, nos Açores, das culturas industriais, não falando no chá que é muito localizada e quase peça de museu, persistem apenas e a muito custo a beterraba e o tabaco, ambas subsidiadas.
O que enche de orgulho os nossos governantes é outro sector ligado à terra, a pecuária. Mas, mesmo este não navega em mar de rosas. Com efeito, de acordo com notícias e reportagens publicadas na imprensa regional, as fábricas de lacticínios do Corvo e do Faial estão longe de ser rentáveis, em São Jorge as cooperativas estão sempre em dificuldades, em todas as ilhas há lavradores que devido à não actualização do preço do leite e à necessidade de adquirir alimento para o gado no exterior (30 a 50% do mesmo é importado) encontram-se em situação crítica e estariam na falência não fora o apoio comunitário. Além disso, como também já foi publicado e não desmentido, quando acabar o regime de quotas leiteiras apenas algumas explorações em São Miguel e na Terceira serão viáveis.
É neste contexto que, para esconder a incompetência governamental, se tem assistido à realização de um conjunto de concursos e feiras e festivais pretensamente organizados para dinamizar o sector, que contam sempre com a presença dos actuais responsáveis máximos pela degradação da agricultura regional, Noé Rodrigues, Secretário Regional da Agricultura e Florestas, e Joaquim Pires, Director Regional do Desenvolvimento Agrário.
Um dos últimos eventos, o IX Concurso Micaelense da Raça Holstein Frísia, promovido (com apoio público?) pela Associação Agrícola de São Miguel, terminou com muita comida e bebida oferecida aos presentes e com uma (não tradicional) tourada à corda, apresentada como promoção do mundo rural.
São precisamente as touradas à corda, em locais onde não são tradicionais, como na ilha de São Miguel e em zonas piscatórias como é o Porto da Lagoa ou a Caloura, pagas com dinheiros públicos o único indicador de “sucesso” do pretenso desenvolvimento agrário e rural.
Como se tal não bastasse, e como não fosse demasiado o apoio da UE recebido pelos ganadeiros para a criação de gado bravo, a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo propõe-se, em nome da dinamização do mundo rural, abocanhar verbas do programa LIDER para ajudar a pagar a feira taurina das Sanjoaninas, deste ano, cujo custo ronda os 400 mil euros (interessante é haver cortes noutras iniciativas, como o Angra Rock, ma as touradas de praça são intocáveis).
Face a esta situação, não se compreende a passividade de uma população que está a passar por dificuldades em virtude da crise que abala o sistema capitalista mundial e muito menos se percebe (ou percebe-se?) o silêncio comprometedor de associações ambientalistas e da esmagadora maiores dos defensores do ambiente e dos direitos /bem-estar animal.
É caso para dizer que Marx estava errado, o problema não é da religião, o ópio do povo são as touradas.
Açores, 30 de Maio de 2010
Mariano Soares
(Terra Livre nº 21 Junho de 2010)