Pela criação de um Colectivo Açoriano de Ecologistas que tenha por objectivo a reflexão-acção sobre os problemas ambientais, tendo presente que estes são problemas sociais e que a sua resolução não é uma simples questão de mudanças de comportamentos, mas sim uma questão de modelo de sociedade.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Valorização Energética de Resíduos: Incineração Escondida com o Rabo de Fora
Numa altura em que cada vez é mais visível a crise económica com que se debate os Açores, na ausência de uma qualquer politica de ambiente, com a crise em que vivem vários sectores da indústria açoriana fortemente dependente de apoios públicos, o actual governo regional dos Açores e algumas autarquias pretendendo dar a volta por cima, ou tapar o Sol com uma peneira, estão a investir a fundo no capitalismo dito socialista. Assim, se em mandatos anteriores o lema era criar negócios “verdes” para as empresas privadas, neste mandato a grande aposta é, continuando a pintar de verde todas as barbaridades feitas em nome do ambiente e da sua protecção, criar empresas públicas para gerir actividades não lucrativas e entregar a gestão de resíduos a empresas privadas, obrigando os cidadãos a pagar a factura de manter de pé toda a empresa, não esquecendo os lucros para os donos e accionistas, e adquirir ou manter empresas falidas, algumas das quais eram apontadas como as galinhas dos ovos de ouro da economia regional, como as ligadas ao golfe e outras. Em suma, temos bons gestores com a lógica de sempre: privatizar lucros e socializar prejuízos.
Contrariando o decidido ontem e não havendo quaisquer razões para a mudança de qualquer posição a não ser a teimosia de alguns governantes, está em curso “suavemente” a intoxicação da opinião pública acerca da bondade da queima de lixos travestida de valorização energética, primeiro em sessões restritas e depois através do apelo lançado pelo presidente da Associação de Municípios de São Miguel que como autarca pouca importância deu à gestão de resíduos, à espera do milagre da queima purificadora dos mesmos, que contou com o pronto apoio do Delegado (ou ex?) de Saúde de São Miguel, o qual através de depoimentos ao jornal Correio dos Açores, no dia 20 de Janeiro de 2010, acabou por dar uns valentes tiros nos próprios pés, ao confundir tratamento integrado com co-incineração, ao comparar esta com os aterros sanitários, quando o que está em causa é a comparação entre incineração e outras formas de tratamento, já que de aterros ninguém se livra, e ao apresentar como único problema da incineração a localização da incineradora já que, segundo ele, os filtros e os ventos tudo resolvem, esquecendo-se que estes não transportarão os “problemas” para Marte.
Em seguida, para refrescar a memória de alguns comedores de queijo, apresentamos, adaptadas de um texto da CODA-Coordenadora de Organizaciones de Defensa Ambiental, de 1996, um conjunto de razões para recusarmos a incineração:
1- A incineração destrói as matérias-primas existentes nos resíduos, constituindo um desperdício de recursos naturais que a sociedade não pode dar-se ao luxo de permitir. Além disso as incineradoras não evitam a existência de aterros já que cinzas e escórias têm que ir para algum lado;
2- A incineração é uma técnica de tratamento de resíduos contaminante para o ambiente e de elevado risco para a saúde dos cidadãos devido à emissão de toneladas de dióxido de carbono, de metais pesados e em particular de dioxinas e furanos, águas residuais e à geração de cinzas e escórias tóxicas que exigem depósitos de alta segurança que temos muitas dúvidas em deixar nas mãos de alguns dos nossos gestores que têm sido incapazes de gerir outros resíduos menos perigosos;
3- A energia recuperada pela incineração é sempre menor que a que se poupava se se reutilizassem e reciclassem os materiais que compõem os resíduos;
4- A incineração é incompatível com a implantação e promoção das recolhas selectivas, a exploração de sistemas de redução, reutilização e reciclagem e recuperação de materiais uma vez que estes diminuem a matéria prima necessária para viabilizar a incineração;
5- A incineração requer grandes investimentos e a sua manutenção é muito cara. Além disso, é o sistema que menos postos de trabalho cria; (compreende-se a opção pela incineração já que o que se pretende é manter os cidadãos desempregados, aumentando a disposição para vender a sua força de trabalho a preço de saldo ou a receber o rendimento social de inserção sem refilar)
6- A incineração fomenta o uso de resíduos que não podem ser reutilizados ou reciclados, eliminando qualquer incentivo à sua substituição;
7- A incineração é incompatível com uma política ambiental de sustentabilidade (chavão que eles usam e abusam a torto e a direito), de protecção da atmosfera e de aproveitamento racional dos recursos;
8- A incineração nunca poderá ser a solução para o problema dos resíduos caso se opte por uma sociedade participativa e uma região com qualidade ambiental já que desresponsabiliza os cidadãos pela gestão dos seus próprios resíduos e contamina o ambiente.
Não queríamos terminar sem denunciar o silêncio comprometedor de algumas (ditas) associações de defesa de ambiente dos Açores e de alguns ambientalistas que estão mais preocupados com a manutenção dos seus cargos, tachos e outros compromissos com os senhores actualmente no poder (ou com os que estão à espera de lá chegar) do que com a defesa da causa pública.
A todos eles dedico o poema de Mário Henrique Leiria:
A Nêspera
Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a
é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece
Texto: Mariano Soares
Imagem: Amigos dos Açores