«Greenwashing», nem mais, ou «lavagem verde» para não cairmos na detestável moda de utilizar palavras e chavões em inglês em todo e qualquer discurso que se pretenda «actual». Actualidade em português não falta a este tema, digo eu, tão diligentes são as mentes que anunciam, todos os dias, produtos, marcas e actividades cada vez mais «verdes.»
Se verdes são os campos primaveris, esta cor que nos transmite esperança surge associada a quase tudo; o leitor, em querendo confirmar o que digo, só terá de compulsar os jornais, perder algum tempo vendo publicidade na TV. O «marketing» virou-se para a ecologia e tudo, mas tudo, vende melhor com esse perfume de clorofila e de ambientalismo comercial. Bancos, cosmética, automóveis, condomínios, lixívias, centrais atómicas, o que seja, não passam sem nos demonstrarem o quanto são amigos do ambiente e amorosos com a Terra. A palavra-chave é quase sempre «sustentabilidade.»
Mas sustenta-se mal face aos factos, muita desta profissional «lavagem verde» --que podemos definir como sendo a prática de empresas e instituições alterarem dissimuladamente os seus produtos e actos de forma a parecerem mais amigas do ambiente.
Há quem diga que este fenómeno, de expressão global, também traz consigo alguma coisa de bom. Pelo menos indica, com o seu manto diáfano de fantasia, alguma preocupação com o ambiente. Nem tudo pode ser mentira, alguma verdade lhe há-de ser misturada, caso contrário seria demasiado evidente. Compreende-se a observação. Só que de facto, em certos casos, não existe mesmo nem sombra de autenticidade nesta venda enganosa de ilusões.
Li outro dia um trabalho de uma organização internacional, os Amigos da Terra, no qual constavam exemplos instrutivos: um anúncio da Shell mostrava flores saindo da chaminé de uma refinaria de petróleo, em vez de fumo negro. Uma grande campanha da indústria do óleo de palma apresentava o seu produto como «solução verde», antes que os consumidores soubessem da devastação que o cultivo do mesmo causou e causa nas florestas tropicais e os conflitos com os agricultores africanos, por exemplo. Uma empresa inundou as televisões de vários países com publicidade ao carvão (imagine-se) como energia limpa ilustrada com anúncios onde surgiam modelos em poses sexy a trabalhar numa mina!!! Risível ou não, quem não vê por cá coisas parecidas?
Lembrei-me logo da campanha omnipresente da EDP sobre as barragens, com imagens de cegonhas-pretas e águias-reais— precisamente espécies que perderão o seu habitat com a construção das barragens! Mesmo quem apoie a solução hidroeléctrica, por outras razões, não pode deixar de aceitar que haverá perda de biodiversidade, pelo que alguma forma perversa e subliminar de controlo das mentes deve ter sido ensaiada. Vale a pena ler o escritor George Orwell e as obras onde denuncia a «novilíngua» com a qual se subverte a linguagem, trocando o sentido das coisas de modo a confundir e a reinar!
Quem defende os consumidores e a verdade no mercado?
Claro que existem etiquetas fiáveis, rótulos de confiança— mas é preciso conhecê-los bem!
E a «lavagem verde» dos poderes políticos, centrais ou locais? Será menos perniciosa? De facto pode ser que seja ainda pior, e as técnicas de «marketing» usadas são igualmente muito sofisticadas ou descaradas. Um número de telejornal e eis que as políticas de betão no urbanismo, e da rodovia nos transportes, ou das «grandes superfícies» no comércio se redimem com quaisquer proclamações de plenas de «sustentabilidade!»
É uma pena, mas nesta coisas, meus amigos, não se pode ser ingénuo!
Bernardino Guimarães
(Crónica publicada no Jornal de Notícias, 27/4/010)