sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O Fogo tudo purifica



1- Megalomanias lixadas

A leitura do texto do teólogo brasileiro Leonardo Boff “As alternativas energéticas ameaçam o futuro” trouxe-me à memória alguns projectos megalómanos que já foram ou estão a ser pensados para os Açores, nomeadamente o que previa a construção de um sistema híbrido eólico - hídrico e que foi idealizado, para a ilha do Corvo, por alguns universitários de uma prestigiada universidade portuguesa.
Colocado no cesto de papéis o projecto referido, por cá há quem continue a não ficar satisfeito com soluções à medida das reais necessidades regionais ou locais. Pelo contrário, o que parece estar em primeiro lugar na mente de quem gere a coisa pública não é usar com parcimónia os dinheiros dos contribuintes, mas sim gastar o máximo possível para aproveitar, diria desperdiçar, os fundos vindos da Europa.
Foi possivelmente com um raciocínio semelhante ao descrito que o concelho de Nordeste construiu uma central de vermicompostagem sobredimensionada ou que está a ser projectada uma incineradora que irá queimar muita matéria orgânica que muita falta fará aos campos da ilha de São Miguel. Mas, a sua compostagem seria um empecilho ao negócio dos adubos, não é verdade?
Sabendo-se que a energia suja que irá ser produzida pela incineradora é perfeitamente desnecessária, dai a oposição, durante algum tempo, por parte de EDA, foi necessário inventar uma “estação de bombeamento na Achada das Furnas” com uma potência de cerca de 10 MW.
É claro que um argumento em defesa do sistema de gestão de resíduos vai ser o de que com a central hídrica vai aumentar a penetração das energias renováveis em São Miguel e o outro será o de que tal sistema irá contribuir para o arejamento das águas da Lagoa das Furnas. Com o primeiro tapa-se o Sol com uma peneira, isto é escondem-se os riscos associados à queima de resíduos, mesmo que a tecnologia seja já a do século vinte e dois, esquecendo-se de que quem a manobra tem a mente fixada no século dezanove. Dizem que a tecnologia actual é segura, digo eu que a nuclear ainda o é mais e apesar disso tivemos Chernobyl e Fukushima.

Com o segundo, continua-se a tratar com aspirina o doente terminal, ocultando-se o trabalho que deveria ter sido feito há pelo menos um quarto de século e que vai ficando para trás em detrimento de obras de fachada ou melhor de betão porque o não baixar o número de sacos de cimento “consumidos” é um dos melhores índices da saúde da nossa economia e o parâmetro ideal para a medida do nosso desenvolvimento sustentável.
2- Negócios da China ou do Além

Tal como para a energia, a melhor não é a renovável, mas sim a que não se produz/consome desnecessariamente, os melhores resíduos são os que não se produzem.

É claro que não pensa assim a maioria do nosso povo que é induzida em erro pelos nossos políticos que falam muito em reciclagem, reutilização e agora no grande negócio que é a chamada valorização e exportação de resíduos e ignoram em absoluto o primeiro, o mais importante R, da política dos três R, a redução.

Gostaria que me explicassem que negócio é este, o da incineração, que é a única “indústria” cujos fornecedores de matéria-prima são obrigados a pagá-la. Será mais um imposto acrescido (o que pagamos hoje pelos resíduos será insuficiente para manter a incineradora sanguessuga de lixos e de dinheiro público/dos contribuintes) que todos nós vamos pagar numa época em que muitas bolsas estão esvaziadas devido à ganância de uns e à falta de ética de outros tantos.

Também gostaria que me explicassem que raio de negócio é este de importar produtos elaborados e exportar os seus resíduos. Para mim que não sou entendido em economia, parece-me ser semelhante, isto é tão ruinoso, ao negócio de importar melancias e exportar as suas cascas. Não seria melhor produzir as melancias localmente?
Como comecei com uma referência a um teólogo, termino com a divulgação de uma breve conversa que tive, numa rua de Ponta Delgada, com uma pessoa que muito respeito, embora poucas vezes esteja de acordo com ela.

Estava eu a passar em frente à Igreja Matriz de Ponta Delgada quando essa pessoa encontra-me e diz: “Olá, Teófilo Braga, tenho lido os teus textos no Correio dos Açores e tenho concordado com quase todas as coisas que escreves, mas discordo, em absoluto, da tua obsessão contra a incineração” e acrescentou: “A incineração dos lixos é a melhor solução porque o fogo purifica, está na Bíblia Sagrada”.
Fiquei e ainda continuo sem palavras para retorquir.

Teófilo Braga