sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Campanha Europeia pelas Sementes Livres alerta para o desaparecimento das sementes tradicionais



Lisboa, 4 de Novembro 2011 – Hoje dá-se início à Seed Savers Tour, uma digressão em defesa das sementes de cultivo não comerciais organizada pelas ONGs, associações, produtores e colectivos que dinamizam em Portugal a Campanha Europeia pelas Sementes Livres (1). Durante 10 dias, horticultores e horticultoras, aspirantes a horticultores e público em geral terão a oportunidade de saber mais sobre as sementes tradicionais que alimentam o mundo: as suas características, a sua importância para a agro-biodiversidade e segurança alimentar e como evitar o seu desaparecimento. A Tour ocorre num momento de grande preocupação com o futuro das sementes de cultivo, depois do anúncio do Instituto Europeu de Patentes que a patente sobre o brócolo da Monsanto não será revogada.

As sementes de cultivo são o resultado de milhares de anos de adaptação e melhoramento de plantas por agricultores e agricultoras em todo o mundo. Até os anos 70, quando a agricultura industrial tomou o globo, cada espécie de planta tinha milhares ou mesmo centenas de milhares de variedades, nalguns casos cultivadas só por uma família. Na altura na Índia existiam perto de duas centenas de milhares de variedades de arroz. Hoje, apenas quatro variedades de arroz alimentam a maioria da população humana e na Índia estima-se que sobrem talvez 10% das variedades tradicionais (2).

O que aconteceu com o arroz verifica-se para todas as espécies de plantas essenciais para a sobrevivência humana. Nos últimos 40 anos, as variedades tradicionais, consideradas não rentáveis, foram sendo substituídas por uma pequena quantidade de híbridos, muito dependentes de agro-químicos para garantir a sua produção e mais susceptíveis a pragas, doenças e intempéries que as variedades adaptadas localmente.
As maioria das sementes comerciais pertencem a apenas dez empresas, gigantes da agro-química. Estas controlam os mercados mundiais das sementes comerciais convencionais, sementes transgénicas e os agro-químicos que sustentam a sua produtividade (3) e gradualmente estão a reforçar os seus direitos intelectuais sobre as plantas que alimentam o mundo. A última versão da Convenção UPOV já proíbe expressamente aos agricultores de preservar sementes de plantas protegidas por direitos (4). Na Europa, a Comissão Europeia prepara-se para propor uma “Lei das Sementes” que virá restringir significativamente a livre circulação e reprodução de sementes (5). E num precedente inesperado recente, o Instituto Europeu de Patentes (EPO) anunciou que não vai revogar a contestada patente concedida à Monsanto sobre um brócolo convencional, apesar da Convenção Europeia das Patentes proibir as patentes sobre variedades de plantas e animais. A nova interpretação dada pelo EPO ao artigo 53 da Convenção (6) vai abrir a porta às patentes sobre as plantas comuns, incluindo os seus produtos e subprodutos, como o molho de tomate ou a farinha (7).
Com a concessão de patentes sobre plantas de cultivo e a crescente restrição na circulação de sementes, os agricultores estão a perder o seu papel milenar de curadores da nossa herança genética. Foi a preocupação com a perda gradual de sementes de variedades tradicionais e dos conhecimentos associados à sua preservação, que há 25 anos levou os Seed Savers australianos Michel e Jude Fanton, convidados especiais da Seed Savers Tour, a fundar a sua rede de preservação e troca de sementes (8). Com 100 redes locais de sementes criadas na Austrália, os Fanton viajam pelo mundo para espalhar a mensagem da semente livre, inspirando milhares de hortelões e defensores da nossa herança alimentar comum.

A Seed Savers Tour arranca hoje em São Brás de Alportel com a projecção do filme dos Fanton “As Nossas Sementes” no Encontro Anual da Semente da rede Colher para Semear, a congénere portuguesa da rede Seed Savers (9). Nos próximos 10 dias a Tour passa ainda por Lisboa e Coimbra, com um total de oito eventos sob a égide da semente tradicional.

Para mais informações:

Lanka Horstink – coordenadora da Campanha pelas Sementes Livres em Portugal, tel 910 631 664, sementeslivres@gaia.org.pt
Programa da Seed Savers Tour: www.seedsaverstour.gaia.org.pt



Campanha pelas Sementes Livres
semear o futuro,colher a diversidade
Campo Aberto | GAIA | MPI | Plataforma Transgénicos Fora | Quercus
www.sosementes.gaia.org.pt


Notas:
A Campanha pelas Sementes Livres é uma iniciativa europeia com núcleos na maioria dos Estados-Membros da União Europeia. Em Portugal a campanha é dinamizada pelo Campo Aberto, GAIA, Movimento Pró-Informação para Cidadania e Ambiente, Plataforma Transgénicos Fora e Quercus, para além de contar já com várias dezenas de subscritores. A Campanha visa inverter o rumo da agricultura na Europa, onde os modos de produção intensivos se sobrepõem cada vez mais à agricultura tradicional e de pequena escala e onde as variedades agrícolas e as próprias sementes, a base da vida, estão a ser retiradas da esfera comum e entregues nas mãos de multinacionais do agro-negócio.
http://independentsciencenews.org/environment/valuing-folk-crop-varieties/
Controlo do mercado mundial de sementes comerciais: As dez maiores empresas de sementes controlavam 55% do mercado e 67% do mercado das sementes patenteadas em 2007 . In Who Owns Nature? Corporate Power and the Final Frontier in the Commodification of Life (2008), ETC Group Report, (publication)
Artigo 14 da Convenção UPOV
Mais sobre a Nova Lei das Sementes
Artigo 53: http://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/epc/1973/e/ar53.html
Algumas das patentes concedidas sobre plantas reproduzidas por métodos convencionais pelo Escritório Europeu de Patentes em 2011:
Brócolo “mais saudável” (EP1069819), pela Monsanto
Tomate com reduzido teor de água (O “Tomate Enrugado”, EP1211926), pelo Estado de Israel
Pepino com sementes inviáveis (EP1433378), pela Bayer
Melão resistente a um vírus (EP1962578B), pela Monsanto
Tomate “sem sementes” (EP1026942), pela Monsanto
Seed Savers Network
Mais sobre a Colher para Semear