sábado, 13 de novembro de 2010

A propósito da Festa Brava como Património Imaterial da Humanidade


“peço aos poetas que não louvem os toureiros

nem outros ofícios de tortura:


cravar no sangue um ferro

é um acto de cultura?”

Manuel Monteiro


A candidatura da denominada Festa Brava a Património Imaterial da Humanidade, alegadamente apresentada pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, à UNESCO, não é nada original, não terá apanhado ninguém de surpresa e peca pelo facto do anúncio público surgir associado a um evento, um congresso de ganadeiros de touros de lide, onde, ou à margem do qual, foram lançados vários apelos ao incremento do sofrimento animal, através da legalização da sorte de varas, primeiro passo para os tão ambicionados, para uns poucos, touros de morte.

A iniciativa referida não tem nada de original pois não é mais do que a cópia do que tem sido feito, a nível mundial, pelo cada vez mais encurralado mundo da indústria tauromáquica que actualmente só consegue sobreviver à custa de dinheiros públicos, veja-se o apoio concedido pelo Governo Regional dos Açores e por algumas autarquias, e que pretende encontrar junto da UNESCO uma tábua de salvação.

É neste contexto que os apoiantes da tortura legalizada recorrem a alguns economistas que afirmam que “as 250 touradas que se realizaram este ano na Terceira vão permitir um benefício líquido (diferença entre os custos do espectáculo e os gastos efectuados por quem assiste ao mesmo) superior a um milhão de euros” (1).

A afirmação anterior não passa de uma patranha destinada a enganar os mais distraídos. Com efeito, com as touradas não é criada nenhuma “riqueza” que possa ser consumida localmente ou exportada, pelo contrário o que acontece é tão só a transferência de dinheiro de uns (assistentes, essencialmente consumidores de cerveja e outras bebidas alcoólicas e petiscos e todos nós, sempre que as touradas são pagas com dinheiros públicos) para outros, sobretudo ganadeiros e promotores. Assim sendo, todos nós continuamos a ficar mais pobres pois uma soma avultada de dinheiros públicos que poderiam ser usados para cobrir despesas com a saúde, com a educação ou com equipamentos sociais é transferida para os bolsos de um grupo restrito e improdutivo de industriais da tauromaquia.

Para além do referido, as investidas tauromáquicas noutras ilhas, que não a Terceira, fazem parte da lógica capitalista que, esgotados alguns “negócios”, vira-se para a produção de inutilidades. Como muito bem escreveu o Colectivo Hipátia “uma das principais indústrias do mundo de hoje, absolutamente central e vital para o capitalismo, é a indústria do entretenimento, capaz de gerar necessidades e cumplicidades artificiais, simulacros de felicidade que entorpecem e se tornam o ópio dos nossos dias”.

A propósito de ópio, o que terá levado algumas comissões de festas, ligadas à religião ou às paróquias, a promover touradas à corda em São Miguel? O reconhecimento que “o papel tradicional da religião enquanto bloqueador da acção e da reflexão social está morto”(2)?

Considerando que as touradas em nada contribuem para EDUCAR os cidadãos e cidadãs para o respeito aos animais, para além de causarem sofrimento aos mesmos e porem em risco a vida das pessoas e dos próprios animais, não se coadunando com os valores humanistas do mundo de hoje considero que a proposta de classificar as touradas como património imaterial da humanidade nem sequer é digna de ser apreciada pela UNESCO.

(1) http://rabotorto.blogspot.com/2009/10/touradas-corda-com-beneficio-liquido-de.html

(2) http://hipatia.pegada.net/index.php



Mariano Soares

Açores, 3 de Novembro de 2010