Testemunho de Kiyoko Tanaka, rapariga, estava na 3ª classe em 1945
Foi no dia 6 de Agosto de 1945 que caiu a inesquecível bomba atómica. Mesmo agora tremo quando pensão naquele tempo. Não fui evacuada com a minha classe e por essa razão estudava numa secção descentralizada da escola próxima. Nesse dia, saí para brincar com as minhas amigas do bairro. Quando surgiu o clarão eu estava debaixo da casa onde brincávamos. « Se ficar aqui assim, sem nada fazer, não sei o que acontecerá!» Enquanto pensava isto notei que, em certo ponto, havia uma fenda. De rastos, fui até lá, e deslocando algumas tábuas para o ado consegui escapar-me. Uma vez no exterior vi, para meu espanto, que não fora só esta casa onde brincava mas todas as casas onde a vista alcançava tinham desabado e estavam a arder. Quando vi isto preparei-me para chorar mas pensei: «Chorar não modificará as coisas», e decidi ir para casa. Quando por fim cheguei a casa, a Mãe tinha posto o bebé de um ano no cimo de uma pilha de trouxas e trazia furiosamente as coisas para a rua. O bebé estava inconsciente, talvez devido à surpresa.
A mãe ficou contente quando me viu:
«Vem, afastemo-nos daqui. Queimar-nos-emos até morrer se continuar a fazer isto durante muito tempo»
E pondo as trouxas às costas e o bebé nos braços, partiu acompanhada por mim.
Vimos uma pessoa com uma grande lasca de madeira espetada num olho – suponho que talvez ele não conseguisse ver – e errava por ali, como um cego. Sem saber exactamente aonde íamos, seguimos todos os outros que fugiam.
No caminho para a colina de Hiji vimos pessoas saltar para dentro de tanques de água porque as suas queimaduras as atormentavam.
Outros estavam sentados na berma da estrada, dizendo a toda a gente que passava:«Por favor, deite-me água em cima», ou, « Dê-me água, por favor». Algumas delas bebiam aágua suja da beira da estrada.
Enquanto subíamos a colia de Hiji vimos uma grande árvore que ardia a partir-se ao meio. Quando chegamos ao cimo da colina e olhámos para baixo notámos que as cercanias eram todas um mar de chamas. E no cimo da colina, aqui e ali, pessoas queimadas e feridas estavam estendidas no chão, gemendo, ou mexiam-se agitadas, em redor.
Depois disto, descemos para Danbara. Danbara não ardia, mas praticamente todas as casas tinham desabado, e a única que ainda se encontrava de pé estava quase toda desconjuntada. Na soleira da porta viam-se sandálias, e algumas pessoas que passavam puseram-nas nos pés e continuavam o seu caminho.
Um pouco mais além um homem gritava através de um megafone; dizia que todos os que estivessem feridos se deviam dirigir para Ninoxima. Decidimos partir para ali e metemo-nos num barco, no rio.
Diante da mãe estava sentada uma jovem com a minha idade. Todo o seu corpo estava cobertto de queimaduras e feridas, e sangrava.
Parecia ter muitas dores e chamava sem cessar a mãe. Esta virou-se de súbito para a minha mãe e disse: «Senhora, a sua filha está aqui?»
A mãe respondeu afirmativamente e ela deu-lhe alguma coisa para as mãos.
Era uma lancheira com o almoço que a mãe preparaa e lhe dera naquela manhã quando a jovem partira para a escola.
«Não queres comê-lo, tu?», perguntou a minha mãe à jovem.
«Vou morrer. Dê-o à sua filha.»
Aceitei. Começamos a descer o rio quando o barco chegou ao mar a pequena soltou o último suspiro e morreu.
Senti-me terrivelmente triste por ela. A mãe e eu chorámos juntas.
Quando chegámos dirigimo-nos imediatamente para o posto médico. Encontrámo-lo cheio de pessoas queimadas e feridas. Entre elas havia algumas que tinham enlouquecido devido às dores e corriam em redor dos doentes.
Como ficaria feliz se todas estas pessoas não tivessem sido queimadas nem feridas e fossem vivas agora, e também se aquela criança do barco não tivesse sido queimada e sobreviesse.
Texto escrito em 1951, por Koyko Tanaka
Reproduzido do livro « Testemunho dos Jovens de Hiroxima», ed. Portugália, 1965, tradução portuguesa do original «Children of the A-Bomb, the testamento f the boys and girls of Hiroshima»
FONTE: http://pimentanegra.blogspot.com/search?q=hiroshima