Pela criação de um Colectivo Açoriano de Ecologistas que tenha por objectivo a reflexão-acção sobre os problemas ambientais, tendo presente que estes são problemas sociais e que a sua resolução não é uma simples questão de mudanças de comportamentos, mas sim uma questão de modelo de sociedade.
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Os Causadores da Fome
Nota- Os problemas ambientais não se limitam aos relacionados com a conservação da natureza. A Fome é um dos problemas ambientais com que se debate o Mundo de Hoje, daí que, abaixo, se transcreva um texto sobre o assunto.
Nestes últimos meses, os motins motivados pela fome espalharam-se como um rastilho de pólvora por um grande número de países. Estes acontecimentos, pela sua gravidade, são reveladores do estado de crise no qual se encontra imersa, hoje, a população mundial. Uma crise que, na verdade, não é consequência do acaso! A alta infernal dos preços dos produtos alimentares, que condena à fome por todo o mundo milhões e milhões de seres humanos, tem certamente várias causas. Mas a principal, a de efeitos maciços, a mais directa, é a especulação.
** Os açambarcadores, primeira causa da crise alimentar mundial **
Devido à crise desencadeada pela especulação desenfreada que atingiu os mercados de crédito de alto risco em geral, sobretudo no sector do crédito hipotecário à compra de habitação, os especuladores, verdadeiros açambarcadores dos tempos modernos, afastaram-se desses mercados financeiros para se lançarem, como a miséria sobre o pobre, para um outro
mercado: o das matérias-primas alimentares. O resultado não se fez
esperar: para os especuladores, lucros gigantescos; para as populações do terceiro mundo, a reaparição em força da fome e da miséria extrema, e para as populações dos países ditos desenvolvidos (e que se encontram, de facto, em plena regressão social), o aperto do cinto em mais alguns furos.
Esta semana, soube-se que o arroz já se encontra racionado nos Estados Unidos e em Israel. Depois do racionamento motivado pela falta de dinheiro, o racionamento propriamente dito, do género do dos anos de guerra.
Uma outra razão tem de ser levada em conta na mesma direcção que a da
especulação: o desenvolvimento, em países onde até agora era incipiente, de uma classe burguesa tão ávida de consumir como a nossa própria burguesia, e que por isso se apropria de uma boa parte dos recursos alimentares apenas para ela própria. Outras “explicações” têm sido avançadas periodicamente pelos média. A primeira assenta sobre as variações climáticas: secas aqui, inundações acolá, afectaram as colheitas. A outra grande explicação di respeito aos bio-carburantes. O seu fabrico requer, com efeito, uma enorme quantidade de plantas, cujas superfícies de exploração deixaram de estar disponíveis para as culturas de produtos alimentícios. Estas duas razões são na verdade reais, mas os média esquecem-se em geral de referir a sua causa. Pois nem o aquecimento climático nem a escolha de áreas para a produção dos bio-carburantes (tal como, igualmente, o desperdício generalizado dos carburantes tradicionais) se devem ao acaso, mas são, sim, do mesmo modo que a fome, uma consequência directa da existência do capitalismo e do Estado.
** Durante a fome, a mundialização continua **
Sendo a situação bastante explosiva, os hipócritas que nos governam fazem de conta que descobrem que as suas políticas económicas conduzem à fome.
Através das instituições internacionais eles lançam, embora sem firmeza, o
alarme: é preciso dinheiro para salvar os pobres. Sente-se que preparam um grande apelo ao nosso bolso e ao nosso coração, uma grande operação mediática de recolha de fundos que supostamente se destinarão aos esfomeados. Entretanto, prosseguem a toque de caixa com a mundialização da economia e com a concentração dos meios de produção num pequeno número de mãos, isto é, trabalham activamente para o desaparecimento dos pequenos produtores locais de culturas de produtos alimentares, preparando assim as próximas investidas da fome. A crise que actualmente vivemos não irá parar por si própria!
Os altermundistas propõem-nos as suas soluções: um novo tipo de organização do comércio mundial, um comércio mais justo, mais respeitador do ambiente. Ora isto é esquecer quem hoje em dia lucra com o comércio existente. É esquecer que as grandes multinacionais, tal como os hierarcas dos Estados (de países desenvolvidos ou não), acumularam vastas fortunas à custa dos pobres, e isso precisamente graças à sua “lei do mercado”. Uma pseudo-lei da qual não esperam ter de renunciar aos seus benefícios! Quem acredita que os poderosos vão abdicar sem mais nem menos dos seus privilégios, se a isso não forem obrigados? Nunca antes o fizeram, nem agora o farão. Para além disso, a sua reacção face aos motins da fome é
clara: bem podem lançar um alerta humanitário nos países ocidentais, para evitarem que as suas populações venham a ter alguns problemas de consciência, que não é por essa razão que hesitam em disparar sobre as multidões a fim de as submeter.
Para nós, é evidente que o conflito deixou de ser entre o “cá” e o “lá”, entre o ocidente e o terceiro mundo, tal como não é entre a esquerda e a direita. É entre os de baixo e os de cima. Entre a classe daqueles que são oprimidos e a classe dos que oprimem. Não é de dirigentes que é preciso mudar, nem de leis, mas sim de sistema, na sua totalidade. É uma revolução, à escala planetária, aquilo que é necessário pôr em marcha. E para esse objectivo, cada um de nós, pela sua acção quotidiana, pode contribuir.
Michel
(artigo traduzido por Paulo Ferreira, Associação Internacional dos/as Trabalhadores/as - Secção Portuguesa)