Pela criação de um Colectivo Açoriano de Ecologistas que tenha por objectivo a reflexão-acção sobre os problemas ambientais, tendo presente que estes são problemas sociais e que a sua resolução não é uma simples questão de mudanças de comportamentos, mas sim uma questão de modelo de sociedade.
domingo, 9 de janeiro de 2011
Associações de Ambiente: campo de recrutamento ou trampolim?
Os movimentos sociais, quer os antigos, como os sindicatos, quer os novos, como as associações ambientalistas têm sido pouco estudados nos Açores. No caso destas últimas, apenas conhecemos uma tese de mestrado, da autoria de Fátima Silva, intitulada “Participação social e práticas ambientais: as organizações não governamentais de ambiente (ONGA) dos Açores”, que apesar de algumas imprecisões, da responsabilidade dos representantes das diversas organização que, ao serem inquiridos, deram respostas “politicamente correctas”, merecia uma maior divulgação.
Partindo do princípio de que a missão dos movimentos sociais é a alteração do statu quo que se caracteriza pela perpetuação de uma crise económica (1), por uma crise política, ecológica e energética e havendo as condições objectivas para que haja mudanças, a que se deverá a falta de respostas?
Como é sabido, nos Açores, o associativismo nunca foi muito forte e a descompressão que se assistiu no continente português ao seguir ao 25 de Abril de 1974 quase não se fez sentir por cá. Com efeito, os personagens que serviram o Estado Novo, viraram as casacas e passaram de armas e bagagens a defender a democracia, uma democracia musculada, diga-se em abono da verdade, que não deu espaço à auto-organização dos cidadãos.
Os sindicatos, que tiveram alguma actividade na condução de algumas lutas, nos primeiros anos a seguir à instauração da democracia, foram integrados no estado social e desde cedo perderam a sua independência pois encontram-se subjugados, na sua maioria, aos interesses dos partidos políticos ou aos interesses pessoais dos que fazem do sindicalismo uma profissão. Basta conhecer a filiação partidária dos seus principais dirigentes ou dos dirigentes regionais das centrais sindicais em que estão filiados. A título de exemplo, poderíamos mencionar alguns nomes de dirigentes sindicais que deixam de o ser para exercerem as suas funções na Assembleia Legislativa Regional dos Açores ou no Governo Regional, outros que depois de requisitados pelo Governo ao voltarem aos serviços de origem não se adaptam e encontram como saída a direcção de sindicatos e, por fim, outros que, como no caso dos professores, chegam às direcções sindicais depois de passarem pelos conselhos executivos das escolas.
No caso dos chamados movimentos ambientalistas, a situação não difere muito. Com efeito, há de tudo um pouco, desde associações que pelas suas actividades dificilmente poderão ser enquadradas no conceito de ONGA- Organização não-governamental de ambiente, passando por outras que não são mais do que “empresas” prestadoras de serviços ao estado, até às associações, que embora formalmente sejam independentes, acabam reféns do estado ou das autarquias, nomeadamente devido à sua dependência financeira ou à ânsia de estarem representadas em órgãos consultivos, para os quais os seus pareceres pouco contam, servindo apenas para legitimar as decisões previamente tomadas.
O relacionamento entre as ONGA dos Açores também merece ser estudado em profundidade pois, dada a reduzida dimensão das associações, penso que não terá havido qualquer estratégia por parte dos partidos políticos em as utilizar em proveito próprio, fazendo-as suas correias de transmissão. O que tem acontecido é que, por excesso de zelo de alguns dirigentes associativos, filiados em partidos políticos ou aspirantes ao exercício de um cargo no aparelho de estado, algumas associações, pontualmente, mais do que defenderem o bem comum aliam-se a interesses particulares.
Ainda no que aos partidos políticos diz respeito, os únicos casos dignos de relevo têm a ver com a sucessão de Veríssimo Borges, na Quercus - São Miguel. Ao que tudo indica, tratou-se de uma tomada de decisão pessoal de dois militantes socialistas (?), Alexandre Pascoal e Pedro Arruda, deputado regional e deputado municipal pelo Partido Socialista, respectivamente, que a título individual decidiram integrar a lista candidata à direcção do núcleo de São Miguel daquela associação, que acabou por ser eleita a 26 de Fevereiro de 2009. Detectada, por parte da Direcção Nacional da Quercus, a incompatibilidade entre os cargos de cariz político que ocupavam e a direcção do Núcleo de São Miguel, acabaram por optar pela “carreira" político-partidária. Curiosamente, a direcção seguinte e actual, tem como Presidente um ex-dirigente do PSD, Paulo Nascimento Cabral, assistente local da Deputada ao Parlamento Europeu, eleita pelo PSD, Maria do Céu Patrão Neves.
Tal como acontece com o movimento sindical, o movimento de defesa do ambiente é, não só entre nós, um campo onde o estado tem recrutado pessoal para o exercício de cargos aos mais diversos níveis. Sabendo-se que os cargos não são eternos e que não abundam regressos às posições de origem, poderemos ser levados a concluir que muitas pessoas usam as associações como trampolim para uma “ascensão na vida”.
De seguida, apresentaremos o resultado de uma investigação, não exaustiva e sujeita a futuras correcções, que regista alguns marcos da história do movimento ambientalista dos Açores, ilustrando, sempre que possível, o que foi afirmado anteriormente, isto é, as associações tanto constituem campo de recrutamento como trampolim.
Em 1982, foi criado o Circulo de Amigos das Furnas, tendo sido um dos principais dirigentes o militante do Partido Socialista, Hermenegildo Galante, hoje, Chefe de Gabinete do Secretário Regional da Presidência.
Em 1991, foi fundada a Azórica, tendo ocupado a sua presidência, durante alguns anos, Maria Eduarda Goulart que mais tarde viria a ser Directora Regional do Ambiente e actualmente é Directora dos Serviços Florestais do Pico. Da comissão de gestão daquela associação, fez parte Fernando Menezes que depois foi presidente da Assembleia Geral e mais tarde, c Socialista chegou a Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
A Gê-Questa, fundada em 1994, teve como presidente da direcção Manuel Loureiro que saiu para ocupar o cargo de Director Regional dos Recursos Florestais. Na lista para os Corpos Directivos da Gê Questa para 1997/99, fazia parte do Conselho Fiscal, Félix Rodrigues. Hoje, é dirigente regional do CDS/PP e deputado municipal em Angra do Heroísmo. O actual Secretário Regional do Ambiente e do Mar, Álamo Menezes, que foi deputado pelo CDS/PP, foi também fundador desta associação.
Frederico Cardigos, actual director Regional dos Assuntos do Mar, também passou pela Gê-Questa, tendo dado o seu contributo à página Web desta associação.
Ricardo Rodrigues que foi Secretário Regional do Ambiente e hoje é deputado na Assembleia da República foi durante algum tempo animador da segunda fase do movimento SOS- Lagoas e passou pela direcção do Núcleo de São Miguel da Quercus.
A 9 de Junho de 2006, foi eleita a última direcção do Núcleo de São Miguel da Quercus presidida por Veríssimo Borges. Também, fazia parte da direcção Rui Moreira da Silva Coutinho, que viria a ser Director Regional do Ordenamento do Território e dos Recursos Hídricos.
José Contente, actual Secretário Regional da Ciência, Tecnologia e Equipamentos, foi, entre 1989 e 1994, Presidente da Assembleia-geral dos Amigos dos Açores.
Teófilo Braga, fundador e ex-presidente da Direcção e da Assembleia-Geral dos Amigos dos Açores, também esteve requisitado pelo Governo Regional dos Açores a exercer funções de Director da ARENA - Agência Regional da Energia e Ambiente da Região Autónoma dos Açores, continuando hoje ligado a movimentos ecologistas e de defesa dos animais.
Já este ano, o Presidente da Azórica, Roberto Terra, transferiu-se para a empresa criada pelo Governo Regional dos Açores, Azorina.
Fernando Lopes seguiu o caminho inverso à da grande maioria dos ambientalistas mencionados. Foi Secretário Regional da Agricultura, Florestas e Ambiente, de 1997 a 2000, e hoje é presidente da Assembleia Geral dos Amigos do Calhau.
(1) “a lógica da economia dominante que visa o crescimento e o aumento do PIB implica na dominação da natureza, na desconsideração da equidade social (dai a crescente concentração de riqueza e a célere apropriação de bens comuns) e da falta de solidariedade para com as futuras gerações” (Leonardo Boff)
Mariano Soares
21 de Dezembro de 2010