Pela criação de um Colectivo Açoriano de Ecologistas que tenha por objectivo a reflexão-acção sobre os problemas ambientais, tendo presente que estes são problemas sociais e que a sua resolução não é uma simples questão de mudanças de comportamentos, mas sim uma questão de modelo de sociedade.
domingo, 30 de janeiro de 2011
Antigo caçador escreve sobre a caça
REFLEXÃO SOBRE A CAÇA NOS AÇORES
A caça nos Açores começou com o povoamento das ilhas. Com efeito, tal foi possível, no que diz respeito aos mamíferos, após a introdução do coelho bravo que foi intencionalmente introduzido em todas as ilhas, com excepção do Corvo. É precisamente o coelho a espécie cinegética mais caçada nos Açores e a que mobiliza mais caçadores.
A caça se para os mais urbanos e com mais posses foi (é) uma actividade “desportiva”, para os homens do campo, sobretudo os das classes sociais mais baixas, mais do que uma actividade de ocupação dos seus tempos livres era um complemento aos seus fracos rendimentos. Com efeito, lembro-me muito bem que no meio rural de São Miguel, na década de sessenta e início da de setenta do século passado, a carne, sobretudo a de vaca, só chegava ao prato de muitas famílias nas épocas festivas e a de porco um pouco mais de vezes para as famílias que tinham a possibilidade de os criar. Assim, caçar coelhos era também uma forma de enriquecer a dieta alimentar e conseguir algum dinheiro para complementar os magros salários com a venda de algumas peças de caça.
Era precisamente a situação de penúria em que viviam muitos agregados familiares, sobretudo de pequenos camponeses e camponeses sem terra que fazia com que eram poucas as licenças de caça existentes nos meios rurais e eram muitos os caçadores furtivos, alguns deles utilizando “técnicas” de caça ao coelho proibidas por lei e criticadas pelos restantes habitantes das diversas localidades, como era o uso do laço.
Ainda nos primeiros anos da década de oitenta, devido à situação social descrita, na localidade onde vivia eram poucas as licenças de caça e havia apenas uma ou duas espingardas, caçando a maioria dos caçadores apenas com recurso a cães e a furão. A deslocação para as zonas de caça, Sanguinal, Monte Escuro, Lagoa da São Brás, etc., era feita a pé ou, com alguma sorte, apanhando boleia nas carrinhas de alguns lavradores. Era revoltante ter de percorrer vários quilómetros a pé, e o regresso era mais duro porque para além da distância a percorrer havia o peso dos coelhos a vencer, enquanto os caçadores da “cidade” ou os “senhores” caçadores passavam nas suas viaturas.
Mais tarde, o Estado, sempre ao serviço dos que mais têm e dos apetites de uns poucos, decidiu investir em repovoamentos de espécies com o único objectivo de serem caçadas. Em 2008, o Secretário Regional da Agricultura e Florestas estimava em 4500 o número de exemplares criados em cativeiro, esquecendo-se de mencionar os custos envolvidos.
A situação referida no parágrafo anterior demonstra que estamos perante uma política de desvios de dinheiros públicos e comunitários que poderiam ser usados em benefício de toda a população dos Açores e que acabam por beneficiar uma minoria dentro da minoria que são os caçadores de algumas aves, pois como já vimos a esmagadora maioria caça apenas coelhos. Com efeito, podemos dizer, mesmo, minoria absoluta pois, segundo informações que consideramos fidedignas e tendo em conta o ano de 2009, nos Açores existiam 3 714 caçadores com carta válida o que correspondia a cerca de 1,5 % da população.
É importante referir que a situação actual, de beneficiar os que mais podem e têm, é muito pior do que a existente em plena ditadura fascista como se pode comprovar através da leitura do jornal “A caça” que se publicou em Ponta Delgada em 1936 e 1937. Com efeito, segundo o referido jornal eram os próprios caçadores, ao contrário do que actualmente ocorre, quem tomava a iniciativa e suportava os repovoamentos com perdizes através de subscrições públicas.
Hoje, são pouco válidos os argumentos dos defensores da caça pretensamente desportiva sobretudo quando aplicados a uma região “pobre” do ponto de vista faunístico como são os Açores quando comparados com outras paragens. Com efeito, caído por terra o argumento da tradição face aos avanços sofridos pela sociedade, hoje o principal argumento, que é também o de alguns “passarinheiros” e de alguns ambientalistas acéfalos suportes do status quo, é o de que com a caça valoriza-se os espaços e recursos florestais e mantém-se as populações de várias espécies controladas.
Se este último argumento poderá ser aplicado às populações de coelhos, gostaríamos que nos explicassem o seu uso quando estão em causa algumas aves residentes cuja população é reduzida e espécies migratórias, cuja ocorrência em alguns casos é diminuta.
Tendo conhecimento de um apelo lançado com vista a evitar que espécies migratórias e outras de ocorrência diminuta sejam excluídas da lista de espécies cinegéticas, não estranhamos que o mesmo tenha sido deturpado por parte de alguns devotos de Santo Huberto, para arrebanhar adeptos à sua causa junto de outros caçadores sensíveis e que concordam com o mesmo, bem como as pressões que têm sido exercidas sobre alguns dos primeiros subscritores.
Para terminar, apresentamos uma citação de um texto publicado, em 1926, no Suplemento Literário Ilustrado de “A Batalha”:
“Conhecemos alguns desses furiosos “desportistas” que aliam à sua qualidade de caçadores a qualidade de membros da Sociedade Protectora de Animais. Não compreendemos como se possam conjugar essas duas funções: a de matar e a de proteger seres vivos”.
Ribeira Grande, 21 de Janeiro de 2011
José Soares