sábado, 3 de julho de 2010

DESEDUCAR PARA INCINERAR O FUTURO



A questão da gestão dos resíduos sólidos urbanos nunca foi devidamente tratada na Região Autónoma dos Açores. Com efeito, não se percebe (ou percebe-se?) que numa região constituída por nove ilhas, com um território limitado, nunca se tenha apostado no primeiro R- reduzir, tendo-se ficado e digamos, mal, pelo segundo R- o reciclar, sabendo-se que por aqui parece não ser viável a instalação de qualquer instalação industrial para o efeito.
Ainda no que se refere ao arremedo de sistema de recolha selectiva de resíduos, levou pelo menos duas décadas a ser implementado, depois de serem lançados os primeiros alertas, e nunca foi generalizado a todos os concelhos e a todas as ilhas. Ainda hoje, recebemos denúncias da mistura dos resíduos por parte dos serviços de recolha e não há dia em que não encontramos vazadouros ilegais.
Mais recentemente, voltou à baila a solução milagrosa, a incineração, que irá de uma vez por todas acabar com os resíduos, esquecendo-se que nenhum processo de tratamento tem capacidade para reduzi-los a zero ou enviá-los todos para o espaço, através das chaminés.
Outro argumento usado é o da produção de energia. Trata-se de mais uma cenoura que é posta à frente do burro, mas que não funciona. Com efeito, uma análise detalhada do ciclo de actividade revela que as incineradoras gastam mais energia do que produzem. Isto é, com a reciclagem dos materiais queimados poupar-se-ia mais energia do que a que é libertada pela queima dos mesmos.
Mas, o que mais nos repugna são as atoardas, para não dizer outras coisas, que têm vindo a público nos últimos dias. Vejamos algumas:
- Em vez de se dizer que a incineração é uma tecnologia que está sujeita a controvérsia científica ou compará-la com outras e explicar a opção por ela, diz-se que a mesma é melhor do que um aterro (tolice, aterros sempre existirão, mesmo com incineradora, a não ser que se exporte para a Lua o que ficará após a queima) ou afirma-se que ela polui menos que uma noite de fogo-de-artifício, será que se está a falar em poluição luminosa? Ou que polui menos que uma central geotérmica, será que com esta afirmação pretende-se fechar uma das que está em funcionamento em São Miguel?
- Outra afirmação que ouvimos, é de que é muito mais fácil falar mal da incineração do que defendê-la. Puro engano, com efeito de entre as respostas que tenho ouvido para a não tomada de posição contra, as mais comuns são o trabalhar numa autarquia ou num organismo governamental. Tenho a certeza de que se a presidência da AMISM fosse de um autarca PSD e se o Governo continuasse a opor-se à incineração muitas mais vozes se fariam ouvir a defender uma solução “amiga” do ambiente.
Por último, relativamente ao estudo de impacto ambiental, que diz-se já estar em curso, já podemos divulgar a conclusão: não haverá qualquer problema para a saúde e para o ambiente.
Siga a procissão que o andor ainda vai no adro!
Teófilo Braga
29 de Junho de 2010

(Publicado no jornal “Terra Nostra”, nº 464, 2 de Julho de 2010, p.23)


Nota- Dedido este texto a Veríssimo Borges,uma voz livre que pela lei da vida foi calada e que ainda não encontrou quem o substituisse.