domingo, 25 de julho de 2010

Crise climática e destruição programada de bosques



Sílvia Ribeiro, 17 de Julho de 2010

Paradoxalmente, falar de “mudança climática” é cair na armadilha dos que a provocaram: convida a pensar numa mudança paulatina, natural e frente à qual não resta mais que tratar de “adaptar-nos” ou “mitigar” os seus efeitos. «Nós preferimos falar de crise climática, provocada por um modelo de sociedade que decidiu “queimar” o planeta para que alguns desfrutem pouco de um estilo de vida que também de forma perversa caíram em chamar “desenvolvido”», afirma o editorial de “Crisis climática, falsos remedios y soluciones verdaderas”, compêndio editado pela revista Biodiversidad, sustento y culturas, com o Movimento Mundial de Bosques e Amigos da Terra ALC.

A crise climática é uma consequência da civilização petrolífera, com gravíssimos impactos sociais e ambientais. O assunto está infestado de armadilhas conceptuais, tentando que não reconheçamos as causas reais ou os remédios falsos propostos pelos que provocam os problemas para continuar a sacar lucros ainda que a crise piore.
Um exemplo disso são os programas chamados Redd, da sigla em inglês, que se traduz como “Redução de emissões de carbono derivadas da deflorestação e degradação de bosques”.

Como explica o Movimento Mundial de Bosques no citado compendio, a ideia é simples: a deflorestação é um factor importante de emissões de dióxido de carbono – portanto, de aquecimento global –, pelo que se procura compensar financeiramente quem possa evitar a deflorestação. Mas os problemas começam a partir da definição. Na convenção sobre mudança climática referem-se em Redd a “deflorestação evitada” e não a “evitar a deflorestação”. Parece uma distracção semântica, mas as consequências são enormes: não se trata de apoiar quem realmente evita a deflorestação, mas de pagar a quem já defloresta e lucra com isso, para que defloreste um pouco menos, pagando-lhe o que deixaria de ganhar. Trata-se da mesma lógica do Mecanismo de desenvolvimento limpo dessa convenção, que só apoia quem tenha desenvolvimento sujo pagando-lhe para que suje um pouco menos. Não são apoios para quem não contamina ou não defloresta, mas apenas para aqueles que o fazem. O programa premeia os maiores deflorestadores (quanto maiores mais ganham) e estimula a deflorestação para poder cobrar para deixar de fazê-lo (depois de ter lucrado primeiro com ela). Os países e comunidades que cuidam dos seus bosques não podem receber nada desses programas, é necessário primeiro que os destruam. Que num determinado período não se defloreste uma zona não implica que não se possa fazer nos anos seguintes, estimulando assim também a abertura de novas zonas a deflorestar enquanto se volta depois às que se deixa de deflorestar, de tal maneira que as mesmas empresas, ONG e governos, podem fazer negócio tanto cobrando de Redd como deflorestando. As novas versões de programas Redd, chamadas Redd++, dão mais uma volta à perversão, com mais armadilhas conceptuais e maior prejuízo para as comunidades indígenas e florestais.

Nessas versões introduzem-se no programa a “conservação”, a “gestão sustentável dos bosques” e o “melhoramento da capacidade de armazenamento de carbono nos bosques”. Pode soar bem, mas o que significam é muito mau.

A “conservação” e “gestão sustentável dos bosques”, no âmbito de Redd, significa que estados, ONG e/ou técnicos poderão definir, com regras externas elaboradas por instituições internacionais (como o Banco Mundial), por cima das comunidades, o uso dos seus territórios. Isto já significou em vários países, inclusive, a expulsão de comunidades indígenas destas áreas e em todas a alienação da decisão das comunidades sobre os seus territórios.

O chamado “melhoramento da capacidade de armazenamento” é uma luz verde para deflorestar bosques naturais (até 90 por cento e ainda “cumprir” com Redd, já que deixam de devastar 10 por cento) e plantar monocultivos de árvores de rápido crescimento e fins comerciais, como eucaliptos, pinheiros e dendezeiros, porque enquanto as árvores estão a crescer absorveriam mais dióxido de carbono que os bosques antigos. Este esquema foi refutado cientificamente, ao observar-se o ciclo de vida completo de um bosque natural contra o de uma plantação, mas os que ganham com os monocultivos de árvores ocultam estes dados.

O México, o Brasil e outros países que estão entre os piores deflorestadores do mundo abraçaram as propostas Redd com entusiasmo, acompanhados por ONG transnacionais, como The Nature Conservancy, WWF e Conservação Internacional, e pelas transnacionais mais contaminadoras, como a petrolífera BP, que vislumbram um grande negócio que, além do mais, lhes serve como maquilhagem verde. Também ONG nacionais, as mesmas que apoiaram o negócio de venda de serviços ambientais (incluindo a biopirataria) e a entrada de projectos do Banco Mundial em comunidades, defendem agora os projectos Redd para “apoiar as comunidades florestais”. Além de promover maior destruição de bosques, a Redd é na realidade outra forma de alienar o poder de decisão das assembleias comunitárias para que grupos compitam por projectos em lugar de lutar pelos seus direitos, pelo reconhecimento e apoio que deveria ser política pública – não dependente de transnacionais e de instituições financeiras internacionais – ao papel fundamental que as comunidades indígenas, camponesas e florestais, entre muitos outros, têm para enfrentar a crise climática e arrefecer o planeta.

Fonte: La Jornada

Extraído de: http://infoalternativa.org/spip.php?article1820