sábado, 7 de fevereiro de 2009

Não à Sorte de Varas



Foto tirada daqui: www.iwab.org

A SORTE DE VARAS

Texto de Manuel Faria

Não sou filósofo!
Não sou jurista!
Não sou escritor!
Não sou político!

Por não ser nada disso, por apenas falar pela minha consciência – porque não sou cobarde, também não posso calar – talvez escape aos insultos, aos epítetos com que, segundo a informação ultimamente vinda a público sobre Fórum Mundial da Cultura Taurina (uuuf!), que decorreu em Angra, os defensores ou promotores da sorte de varas classificam aqueles que contra ela se têm manifestado; de facto e preventivamente, os que contra ela se vierem a manifestar. Hipocrisia, cinismo, falsa moral, ignorância exacerbada, negação da própria democracia, enfim, um chorrilho de juízos de valor. Ou até imbecis, como resulta da metáfora do frango! (Qualquer coisa assim primária e despropositada: as pessoas comem o frango, mas não querem que o matem.) A velha táctica de amesquinhar pessoalmente o adversário para lhe descredibilizar os princípios.
Escrevendo há mais de meio século sobre a tourada à corda na Terceira, João Ilhéu, nas suas Notas Etnográficas, pg. 329, anota: Estes divertimentos tinham muito de barbarismo, pois as rezes eram espicaçadas com fortes aguilhões usados nas extremidades dos varapaus (bordões) de que quase todos os homens iam munidos para sua defesa ... Felizmente, essas práticas foram postas de lado, para o que muito concorreram as restrições legais impostas ao uso do aguilhão, não só pelas razões apontadas, mas ainda pelo dano causado nas peles destinadas à curtimenta ... Hoje, graças à legislação em vigor, bem pode dizer-se que as touradas à corda são muito mais humanas que as de praça, onde continua o uso das bandarilhas e do estoque.
Há dias, dizendo eu, sem emitir a minha opinião, a dois estudantes terceirenses alunos de Direito na Universidade de Lisboa, que em Angra se estava a desenhar um movimento para a introdução da sorte de varas, a resposta foi imediata: “Mas isso não tem nada a ver com a nossa tradição!”.
Recordo uma das aulas de educação cívica que dei na Escola Francisco de Ornelas da Câmara sobre a tourada, a alunos com 9 e 10 anos. Não eram assim tantos os que, como eu, a aceitavam como brincadeira inofensiva e minimamente penalizante dos animais: a grande número deles, repugnava ver os animais fechados dentro dos caixões, quantas vezes sob sol escaldante, a escorregarem e a caírem no asfalto, com o sangue a escorrer... É provável que a socialização, infelizmente, lhes tenha vindo a impor outros sentimentos bem menos generosos.
Recupero dois conceitos de João Ilhéu: barbarismo e humanidade. É nesta dicotomia que a questão releva.
Qual a percentagem de terceirenses que frequenta a praça de touros? E para quantos destes, a valorização do espectáculo justifica a tortura do touro?
Poucas dúvidas me restam de que, na euforia legislativa que se adivinha após a aprovação no novo Estatuto da Região Autónoma, alguns deputados tomem a iniciativa de produzirem legislação no Parlamento de todos os açorianos, sobre a introdução da sorte de varas. (Ab)usando da autonomia e afrontando a legislação nacional que, em sintonia com a maioria dos países tidos por civilizares, proíbe as touradas, ou qualquer espectáculo, com touros de morte, bem como o acto de provocar a morte do touro na arena e a sorte de varas... Involução, diria João Ilhéu.
Importa que por todo o Arquipélago se levantem vozes, sejam de que natureza forem, despojadas de eloquência inconsistente (...nobreza (?) da vida do touro. Terceira, Capital da Cultura Taurina. Melhor praça de toiros de Portugal), sobre esta questão. Vozes que, no mínimo, forcem os políticos a escutar a nossa vontade. Não é tema displicente para não ser tratado em referendo. Nenhum aficionado é uma ilha, nenhuma ilha é o Arquipélago. Eu, como açoriano, grito bem alto NÃO!

Diário Insular 6 de Fevereiro de 2009

Nota- Este texto merece reflexão e sobretudo exige de todas as pessoas e associações de defesa dos animais e do ambiente, que se opõem à introdução da sorte de varas ou aos touros de morte nos Açores, nomeadamente na Terceira, que se manifestem e que pressionem as várias forças pol
íticas e o governo para que tal retrocesso não venha a acontecer.


Da nossa parte haverá toda a oposição que nos for possível fazer, a qual passará pelo pedido de apoio quer a nível nacional quer internacional e que poderá culminar numa campanha de boicote às visitas turísticas para os Açores. É bom não esquecer que as populações do norte e centro da Europa são muito sensíveis aos direitos dos animais. TB