quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Certificação energética: só fumos


Polémica na certificação ambiental das novas construções nos Açores: Mercado imobiliário “apertado”

O director regional da Energia afirma que o objectivo da suspensão da certificação ambiental das novas construções na Região “é normalizar” o mercado imobiliário no próximo ano nos Açores que, mesmo em São Miguel, estava “apertado” com o sistema nacional de certificação. Os peritos protestam e dizem que o governo está a ceder à pressão dos construtores.
A suspensão por um ano da certificação energética dos edifícios nos Açores está a gerar forte descontentamento por parte de peritos que se sentem lesados pela decisão da direcção regional de Energia. Comum a estes protestos é a afirmação de que a Região “perde” com a decisão de suspender a certificação.
A empresa TermiHouse, Soluções Térmicas e Energias Renováveis, manifesta “estranheza” pela interrupção do processo que “estava a decorrer tão bem e com elevada aceitação por parte dos promotores/ proprietários”. Não compreende, por isso, que “ se destruam, de ânimo leve, vários investimentos criados com a certificação energética”.
Salienta que “(…) nos últimos meses conseguimos alterar profundamente o modo de construir nos Açores, contribuindo para uma melhor qualidade das habitações e da sua eficiência energética”.
Francisco Soares Ferreira mostra-se “estupefacto” com a decisão, considera a suspensão “irresponsável” e salienta que “é por estas e por outras que os Açores são o local do país onde a qualidade de construção é a pior”.
Rui Camilo diz, por sua vez, que “não se entende como é possível querer aplicar a suspensão às novas construções”, o que, em sua opinião, “ corresponde à perpetuação da bandalheira que já vigora desde 1990”.
“A suspensão agora assumida pelo governo, mesmo que tenha sido por boas intenções, não permite esconder a suspeição da existência de fortes pressões para que tal acontecesse, pelo menos até que se consiga vender o muito património apressadamente construído nos últimos anos, sem qualidade mas a bom preço, e que a certificação energética certamente ajudaria a por a nu”, palavras de Rui Camilo.
Duarte Filipe “lamenta” que, por um lado, ouça o secretário regional do Ambiente e Mar falar de investimentos em energia alternativas, mais sustentáveis, quer financeiramente, e que o director regional de Energia, na mesma ocasião, admita a suspensão/adiamento da certificação energética, “que é quase o mesmo que prolongar a mediocridade das construções…”
Paulo André Franco manifesta “indignação” e incredulidade. Segundo afirma, as notícias foram “precipitadas (…) não sendo possível a suspensão ou o adiamento da aplicação do regulamento comunitário”.
Informa, a propósito, que existem mais de 600 certificados/ declarações de conformidade regulamentar emitidas para imóveis na Região.
Para o perito Gil Navalho, a situação “é de profunda injustiça perante as pessoas que já emitiram e pagaram os seus certificados energéticos”
De harmonia com o técnico, “não faz sentido nenhum suspender o processo para todas as ilhas, pois São Miguel e Terceira dispõem de peritos”.
A certificação, em seu entender, “ é um passo determinante para melhorar a qualidade de construção e conforto nas habitações, pelo que com esta medida o governo estará a colaborar em protelar por mais um ano todas as disposições construtivas amplamente estudadas e analisadas”.
“Os Açores ganham com suspensão”
Correio dos Açores – Conhece, por certo, a contestação que está a ter a suspensão, por um ano, da certificação energética dos edifícios…
Cabral Vieira (Director Regional de Energia) - Sim, tenho conhecimento desta contestação mas também tenho conhecimento de muitas associações e pessoas que me apoiaram. Recebi muitas manifestações de satisfação e apoio. Quando se toma uma decisão, há sempre uma parte que reclama e uma parte que apoia. Normalmente, a mais visível é a parte que reclama.
Temos de tomar algumas medidas de governação que não agradam a todos. Este é um atraso necessário. Temos de garantir o funcionamento do mercado. E a verdade é que o mercado imobiliário não estava a funcionar em algumas ilhas. A Graciosa é um caso concreto, mas também em São Jorge.
O que posso garantir é que os beneficiados são em muito maior número que os prejudicados. E, no global, a Região ganha.
Vai tomar medidas para que estas ilhas tenham técnicos a curto prazo?
No prazo de um ano temos a adaptação da legislação nacional à realidade regional ou, eventualmente, fazer uma transposição directa da directiva comunitária para os Açores e ter uma legislação própria no arquipélago.
A certificação ambiental vai estar parada…
- Não vai estar parada. O que sucede é que ela não é obrigatória. Mas não é por aí que vem qualquer custo. Já passámos muitos anos sem processo de certificação e não é, agora por causa de um ano, que vamos ter qualquer atraso. Temos de ter uma certificação adequada às nossas circunstâncias. Até porque a directiva comunitária permite que a certificação energética seja diferente entre regiões. E, em Portugal, somos uma região com Estatuto próprio.
A certificação nos Açores não tem que ser exactamente igual à que se faz a nível nacional. Regiões com características diferentes devem ter soluções diferentes. E o que pretendemos é que se criem nos Açores as condições para o funcionamento normal do mercado.
No caso de São Miguel existem técnicos para se avançar já com a certificação?
Em São Miguel a certificação estava a fazer-se. Não havia muitas queixas de São Miguel. Mesmo assim, pelo que consegui ver, a certificação estava a funcionar de forma apertada. Não se pode dizer que é obrigatório em São Miguel e não ser na Graciosa. Com isso criar-se-ia uma desigualdade e os micaelenses perceberiam isso. Estamos habituados a tratar todos com uma certa igualdade. Por isso, o mais lógico foi suspender na totalidade do arquipélago.
O que é que os Açores perdem por se adiar a certificação ambiental?
Não perdem nada e vão ganhar muito. No futuro vamos ter um mercado imobiliário a funcionar com transparência e de forma totalmente normal que é o que não estava a acontecer neste momento. A certificação não se conseguia fazer, sobretudo, em algumas ilhas onde não havia técnicos e não havia disponibilidade para lá irem. Esta é que é a verdade. E também não compete ao governo cobrir sobrecustos para a mobilidade destes técnicos entre as ilhas. Há aqui sobrecustos e o imobiliário é um negócio privado. Não temos de financiar negócios privados com verbas públicas. Temos de criar condições para que se possa cumprir a legislação.
Vamos criar um sistema regional de certificação que tenha em conta as nossas especificidades quer de clima, quer de construção e que tenha em consideração a nossa dispersão. Pode ser mais flexível que o nacional, o que não significa que seja pior. O português é demasiado rígido, demasiado cooperativista e não satisfaz os Açores.
Avançou-se devagar…
Houve muito investimento feito pelo governo regional na formação de técnicos e as taxas de reprovação foram elevadíssimas. Não se admite estas taxas de reprovação em cursos frequentados por pessoas que estiveram muitos anos nas universidades com dinheiros públicos. Nem nas melhores universidades do mundo existem taxas de reprovação tão elevadas como as que ocorreram nos cursos de formação para a certificação ambiental dos edifícios em Portugal.
A certificação ambiental passou a ser obrigatória a nível nacional, com determinados ganhos que, durante um ano, não se vão sentir nos Açores. E esta é que é a questão…
Sim, vão haver ganhos nacionais. São ganhos que não teríamos nos Açores. O que iria acontecer é que teríamos o mercado imobiliário parado durante um ano nos Açores, com predominância para determinadas ilhas, e teríamos, com isso, perdas enormes.
Depois de eu falar é muito fácil dizer: “Nós vamos…”. Mas a verdade é que, antes de suspender a certificação, ninguém queria ir.
Estamos aqui, obviamente, para satisfazer as necessidades dos açorianos e não para satisfazer qualquer interesse de um grupo em particular. Isso é importante.
Autor: João Paz
Fonte: Correio dos Açores
Data: 17 Fevereiro 2009

PS- Neste caso ganharam os interesses do costume. Já há muitos anos ouviamos, da parte de alguns empresários, que esta era uma legislação que não era para levar a sério. O que pensará disto o ex-director regional da energia?