quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A Ditadura está a passar por aqui

“É melhor dizer certas coisas e criar antipatias a não dizer nada e viver de aparências.” (Manoel Nascimento) Na passada quinta-feira, pelas cinco horas da manhã, talvez fruto das conversas e da troca de correspondência que havia mantido com algumas pessoas que se sentem com coragem para contar as suas dificuldades, nomeadamente as ameaças, ainda que veladas que recebem, acordei depois de um sonho/pesadelo. No mesmo, estava a ser perseguido por um touro bravo numa canada e tendo-me escondido atrás de uns arbustos fui surpreendido por outro que entretanto surgiu do nada. O que se passou no sonho, que me fez levantar mais cedo e escrever este texto, está a acontecer na realidade com alguns cidadãos que decidiram manifestar o seu descontentamento pela realização do II Fórum da Cultura Taurina que contou com o apoio do Governo Regional dos Açores e das duas Câmaras Municipais da ilha Terceira. Com efeito, as pessoas em causa sentiram-se encurraladas e abdicaram da sua liberdade de exprimir os seus sentimentos a favor da ditadura do medo. Mas, em que se manifesta o que eu denomino de ditadura? Em primeiro lugar, no silêncio de quase todos os que independentemente do seu credo religioso, nem uma palavra pronunciam sobre o apoio escandaloso da Direcção Regional de Turismo no valor de 75 mil euros para a realização do mencionado fórum, acrescidos de mais 5 mil euros para a realização de uma tourada à corda promovida pela Casa de Pessoal da RTP, já não sei se é Açores, enquanto, às maiores festas religiosas dos Açores, apenas concede o apoio de 28 mil euros. Todos nós sabemos que os governos gostam de estudos. É, portanto, a hora de se exigir a divulgação de todos os apoios concedidos à tauromaquia pelo menos nos últimos dez anos e a realização de um estudo para provar, ou não, se houve algum retorno do uso dos nossos impostos no apoio a touradas em termos do aumento do número de turistas, na ilha Terceira. Se ficarmos pelo número de pessoas vindas de fora da região que se deslocaram para o Fórum taurino e as que se chegam anualmente a São Miguel para assistir às festas do Senhor Santo Cristo, não temos quaisquer dúvidas e não será necessário gastar mais dinheiros com estudos. Em segundo lugar, queria mencionar a confusão que pela segunda vez, pelo menos no que diz respeito a touradas, a ALRA- Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, fez relativamente a um conjunto de e-mails que recebeu. Será que a ALRA não consegue distinguir um texto de protesto ou de sensibilização para uma injustiça social, como é o caso do uso de dinheiros dos impostos para benefício de poucos e mau trato de animais, de uma petição que deve obedecer a um conjunto de regras previamente definidas? Será que a a ALRA tem legitimidade para transformar uma coisa na outra? Ou pretende a mesma, como já aconteceu anteriormente, chegar à conclusão de que a suposta petição não obedece às regras e que, portanto, os subscritores não sabem o que estão a fazer e tão incompetentes são que nem sequer conseguem promover uma petição digna de ser discutida em plenário? Ainda a propósito dos e-mails enviados, por que divulgou a ALRA a notícia de que os supostos peticionários não queriam ser ouvidos, quando não houve petição nenhuma e por que razão a RDP, não sei se ainda é Açores, escreveu que os peticionários alegaram que no fórum iria ser aprovada a sorte de varas…? Má jornalismo ou distorção propositada do texto para ridicularizar todas as pessoas que tiveram a coragem de enviar e-mails. Digo coragem pois nesta terra se não há censura imposta, silêncios cúmplices abundam e auto-censura é o pão-nosso de cada dia. Nos Açores é cada vez mais difícil dar a cara de tal modo que, a propósito dos e-mails enviados à ALRA, o jornalista António Gil, no facebook escreveu o seguinte: “Recebi desabafos de alguns dos nossos membros [Info Açores] relativamente a esta questão, e ao receio que sentem em assumir na ALRA as suas opiniões. Nem todos se podem dar a esse luxo…” Já agora e antes de ser acusado de não entender nada de tauromaquia pois nunca entrei numa praça de touros, aqui vai informação pertinente. Vivi três anos na ilha Terceira, assisti a uma tourada de praça, a uma tourada dos estudantes e a várias touradas à corda. Foi na ilha Terceira que aprendi a detestar touradas de praça, pela brutalidade com que o touro é tratado, e na ilha Graciosa que aprendi a desprezar as touradas à corda, depois da morte de um jovem numa delas. Teófilo Braga (Correio dos Açores, 1 de Fevereiro de 2012)