Planta invasora em São Miguel
No Sábado, 15 de Novembro, realizei, com os “Amigos dos Açores”, o percurso pedestre entre o Monte Escuro e a Lagoa do Congro, com passagem pela Lagoa do Areeiro.
Conheço a área em causa desde 1993, ano em que realizei para a RTP a série de documentários “Madeira e São Miguel à Luz da Geografia”, tendo ali voltado mais algumas vezes, a última das quais em Abril de 2003.
No intervalo de 5 anos que mediou as últimas duas visitas, a flora daquela área sofreu uma preocupante alteração devido à invasão duma espécie arbustiva de folha caduca, a Leycesteria formosa, da família Caprifoliaceae, que em São Miguel ainda não tem nome popular, mas que na literatura inglesa da especialidade é referenciada como ‘Purple Rain’ ou ‘Hymalayan Honeysucke’.
Leycesteria formosa
Esta ‘Madressilva dos Himalaias’ é oriunda da mesma região do globo da mais agressiva invasora da vegetação micaelense, a Conteira (Hedychium gardnerianum).
A Leycesteria formosa atinge dois metros de altura, é bastante popular nos jardins ingleses e deve ter sido importada como planta ornamental. Possui flores pequenas e brancas, envolvidas por brácteas avermelhadas, dispostas em cachos pendentes bastante atractivos.
Em São Miguel floresce muito bem no Verão e frutifica abundantemente. Os frutos são bagas purpúreas quando maduras, com 1 cm de diâmetro, doces e muito apreciadas pelos pássaros, que dispersam as sementes, que germinam muito facilmente em locais com boa exposição solar ou meia sombra. É uma espécie de crescimento rápido, muito rústica quanto a solos e que suporta ventos fortes desde que não sejam carregados de sal.
Segundo testemunho de alguns amigos, que com frequência visitam a Lagoa do Congro, foi especialmente nos últimos dois anos que a espécie invadiu os taludes e as bermas dos caminhos, chegando a ocultar as hortênsias (Hidrangea macrophylla).
A Leycesteria formosa nos últimos dois anos cobriu as bermas dos caminhos que envolvem a Lagoa do Congro, chegando a ocultar as Hortênsias (Hydrangea macrophylla)
Na Segunda-feira, 17 de Novembro, ao longo da estrada entre as Caldeiras da Ribeira Grande e as Lombadas, detectei a presença da Leycesteria formosa, embora em muito menor densidade.
Na Terça-feira, 18 de Novembro, voltei a encontrar aquele arbusto dos Himalaias nas matas à volta da Lagoa das Furnas.
É importante referir que a Leycesteria formosa não faz parte da longa lista de plantas invasoras à escala mundial, integrantes do livro de Quentin Cronk e Janice Fuller, “Plant Invaders”, publicado em 1995, com o apoio de da UNESCO e do WWF.
Posteriormente tem vindo a ser referenciada como espécie invasora na Nova Zelândia e na Austrália (http://www.hear.org/gcw/species/leycesteria_formosa).
O botânico sueco Erik Sjögren, no livro “Açores – Flores”, publicado em 1984, trata o Hedychium gardnerianum, o Solanum mauritianum, a Gunnera tinctoria e o Pittosporum undulatum como espécies invasoras, mas não faz qualquer referência à Leycesteria formosa, o que leva a crer que há 25 anos não passaria duma planta de jardim, com uma presença muito discreta na paisagem micaelense.
Em 2002, no livro “Flora of the Azores – a Field Guide”, Hanno Schäfer já refere a Leycesteria formosa como uma planta que tinha escapado ao cultivo ornamental e que se tornara comum em taludes e beiras de estradas. Informava, ainda, que as sementes desta invasora recente eram importante alimento do Priôlo (Pyrrhula murina).
Os caminhos de acesso à Lagoa do Areeiro estão literalmente invadidos pela Leycesteria formosa
Pelo que tive oportunidade de observar, e pelos relatos de amigos que têm percorrido a pé a ilha de São Miguel, as populações de Leycesteria formosa têm crescido muito rapidamente nos últimos anos. Atendendo ao impacto desta invasora nas formações vegetais da maior ilha do arquipélago dos Açores, o Governo Regional deve, urgentemente, delinear uma estratégia para a sua erradicação antes que se torne irreversível como o Hedychium gardnerianum.
Raimundo Quintal