quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

ÓPTIMO 2009


Não esquecendo que "nenhum problema pode ser resolvido pela mesma consciência que os criou" (Albert Einstein), desejo a todos os que já aceitaram fazer parte do CAES, aos inscritos na lista de discução e aos visitantes habituais do Blog Terra Livre, um Óptimo 2009.

Teófilo Braga

A PODA 9 MESES DEPOIS

Em Fevereiro deste ano critiquei a entidade que havia procedido à poda de algumas árvores no Pico da Pedra,a qual, por incrível que pareça, foi "apoiada" pelo Presidente da Cada do Povo do Pico da Pedra.

A Câmara Municipal da Ribeira Grande e a Junta de Freguesia do Pico da Pedra lamaentaram o ocorrido e passaram a "culpa" para a empresa que a realizou.

A minha curiosidade é saber se a empresa foi paga pelo "arboricidio".

Abaixo, deixo algumas fotos tiradas hoje, bem como o texto enviado na altura ao presidente da Casa do Povo do Pico da Pedra.





A FOLHA DE COUVE DA CASA DO POVO DO PICO DA PEDRA

Manchando o nome de um boletim homónimo, entretanto desaparecido na freguesia, a actual direcção da Casa do Povo publica uma folha de couve que no seu número 122, do corrente mês de Fevereiro, apresenta uma preocupação com o que se passa na freguesia das Furnas e com o "risco de (se) perder toda a credibilidade" por parte dos Amigos dos Açores.
Por se tratar de uma questão de "lana caprina", tentarei responder à letra ao escriba da nota intitulada "Poda radical" ou ao presidente da referida instituição já que a mesma não vem assinada.
Deixando de parte a questão técnica das podas, vamos ao que interessa:
Em primeiro lugar é injusto afirmar que "é mais fácil "malhar" numa Junta de Freguesia do que numa Secretaria Regional" pois, segundo é do meu conhecimento o ofício dos Amigos dos Açores a criticar a pseudo poda realizada, na Avenida da Paz, foi dirigido ao Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande, entidade que era suposto ser a responsável pelo atentado. Apenas foi dado conhecimento ao sr. Presidente da Junta de Freguesia do Pico da Pedra e só soubemos, posteriormente, através de notícia publicada no jornal Açoriano Oriental e através de gentil ofício do sr. Presidente da Junta que foram responsabilidade desta as podas já referidas.
Em segundo lugar não é o presidente da Casa do Povo a pessoa mais indicada (ou é?) em falar em perda de credibilidade. Não será por isso que a Casa do Povo tem o número reduzido de sócios que tem?
Termino, afrimando que o Presidente da Casa do Povo perdeu uma boa oportunidade para estar quieto e calado, já que a nota publicada na rúbrica "Radar", para além de infeliz não acertou no alvo.
Pico da Pedra, 15 de Fevereiro de 2007
Teófilo Braga

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Terra Livre nº4



Já está disponível o boletim Terra Livre nº4, relativo ao mês de Janeiro de 2009.

Todos os interessados poderão lê-lo aqui.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Viana do Castelo acaba com touradas


Fim das touradas foi a "medida mais popular"

PAULO JULIÃO, Viana do Castelo

Câmara inundada com parabéns de todo o mundo

Autarca diz que nunca tinha sido tão felicitado por uma decisão

Depois da contestação inicial por parte dos aficionados, o fim das touradas em
Viana do Castelo afigura-se, afinal, como uma das medidas "mais populares" do
autarca socialista que lidera a câmara local desde 1993. A revelação foi
feita ontem pelo próprio Defensor Moura, dando conta de que desde que a
autarquia anunciou a compra da Praça de Touros para reconverter o espaço em
museu foi "inundada" por mensagens de felicitações de todo o mundo.

"Nunca tomei uma medida tão popular, internacionalmente. São mais de mil
e-mails que recebemos de todo o mundo felicitando pelo fim das touradas",
anunciou o socialista. Durante mais de um século, a tourada esteve intimamente
ligada a Viana do Castelo, o que agora acabará com a compra, pela Câmara
Municipal, da actual Praça de Touros. O objectivo passa por transformar o
espaço num Museu de Ciência Viva, de forma a aproveitar a proximidade ao
Parque Urbano, onde funciona o Centro de Monitorização e Interpretação
Ambiental.

A compra será feita por 5127,74 euros e, reconheceu Defensor Moura,
representará o fim das touradas em Viana do Castelo, tradição que remonta a
1871, com a instalação da primeira praça de touros, ainda de madeira, num
outro local da cidade, já então integrada na Romaria da Senhora d'Agonia.

"Temos recebido mensagens de apoio, por Viana do Castelo ser uma cidade sem
touradas", afirmou ainda, acrescentando: "No século XXI é uma atrocidade
continuar a sacrificar animais em público daquela maneira", diz o autarca,
sublinhando que a cidade não tem nenhuma tradição enraizada do género. "Não
temos toureiros, forcados, touros ou cavalos", afirma.

O actual edifício foi construído em 1949, para que a cidade passasse a dispor
de um espaço definitivo, dispondo mesmo de uma pequena capela no interior.
Actualmente recebia apenas uma tourada por ano, por ocasião da Romaria
d'Agonia.

http://dn.sapo.pt/2008/12/24/cidades/fim_touradas_a_medida_mais_popular.html

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Diversidade Socioambiental


O capitalismo é um sistema político-religioso cujo princípio consiste em tirar das pessoas o que elas têm e fazê-las desejar o que não têm -sempre

A diversidade das formas de vida na Terra (e sabe-se lá mais onde) é consubstancial à vida enquanto forma da matéria. Essa diversidade é o movimento mesmo da vida enquanto informação, tomada de forma que interioriza a diferença -- as variações de potencial existentes em um universo constituído pela distribuição heterogênea de matéria/energia -- para produzir mais diferença, isto é, mais informação. A vida, nesse sentido, é uma exponenciação -- um redobramento ou multiplicação da diferença por si mesma. Isso se aplica igualmente à vida humana. A diversidade de modos de vida humanos é uma diversidade dos modos de nos realcionarmos com a vida em geral, e com as inumeráveis formas singulares de vida que ocupam (informam) todos os nichos possíveis do mundo que conhecemos (e sabe-se lá de quantos outros). A diversidade humana, social ou cultural, é uma manifestação da diversidade ambiental, ou natural -- é a ela que nos constitui como uma forma singular da vida, nosso modo próprio de ineriorizar a diversidade "externa"(ambiental) e assim reproduzi-la. Por isso a presente crise ambiental é, para os humanos, uma crise cultural, crise de diversidade, ameaça à vida humana.

A crise se instala quando se perde de vista o caráter relativo, reversível e recursivo da distinção entre ambiente e sociedade. O poeta e pensador Paul Valéry constatava sombrio, pouco depois da Primeira Guerra Mundial, que "nós, civilizações [européias], sabemos agora que somos mortais". Neste começo algo crepuscular do presente século, passamos a saber que, além de mortais, "nós, civilizações", somos mortíferas, e mortíferas não apenas para nós, mas para um número incalculável de espécies vivas -- inclusive para a nossa. Nós, humanos modernos, filhos das civilizações mortais de Valéry, parece que ainda não desesquecemos que pertencemos à vida, e não o contrário. E olhem que já soubemos disso. Algumas civilizações sabem disso; muitas outras, algumas das quais matamos, sabiam disso. Mas hoje, começa a ficar urgentemente claro até para "nós mesmos" que é do supremo e urgente interesse da espécie humana abandonar uma perspectiva antropocêntrica. Se a exigência parece paradoxal, é porque ela o é; tal é nossa presente condição. Mas nem todo paradoxo implica uma impossibilidade; os rumos que nossa civilização tomou nada têm de necessário, do ponto de vista da espécie humana. É possível mudar de rumo, ainda que isso signifique -- está na hora de encararmos a chamada realidade -- mudar muito daquilo que muitos considerariam como a essência de nossa civilização. Nosso curioso modo de dizer "nós", por exemplo, excluindo-se dos outros, isto é, do "ambiente".

O que chamamos ambiente é uma sociedade de sociedades, como o que chamamos de sociedade é um ambiente de ambientes. O que é "ambiente" para uma dada sociedade será "sociedade" para um outro ambiente, e assim por diante. Ecologia é sociologia, e reciprocamente. Como dizia o grande sociólogo Gabriel Tarde, "toda coisa é uma sociedade, todo fenômeno é um fato social". Toda diversidade é ao mesmo tempo um fato social e um fato ambiental; impossível separá-los sem que não nos despenhemos no abismo assim aberto, ao destruirmos nossas próprias condições de existência.

A diversidade é, portanto, um valor superior para a vida. A vida vive da diferença; toda vez que uma diferença se anula, há morte. "Existir é diferir", continuava Tarde; "é a diversidade, não a unidade, que está no coração das coisas". Dessa forma, é a própria idéia de valor, o valor de todo valor, por assim dizer -- o coração da realidade --, que supõe e afirma a diversidade.

É verdade que a morte de uns é a vida de outros e que, nesse sentido, as diferenças que formam a condição irredutível do mundo jamais se anulam realmente, apenas "mudam de lugar" (o chamado princípio da conservação de energia). Mas nem todo lugar é igualmente bom para nós, humanos. Nem todo lugar tem o mesmo valor. (Ecologia é isso: avaliação do lugar). Diversidade socioambiental é a condição de uma vida rica, uma vida capaz de articular o maior número possível de diferenças significativas. VIda, valor e sentido, são, finalmente, os três nomes, ou efeitos, da diferença.

Falar em diversidade socioambiental não é fazer uma constatação, mas um chamado à luta. Não se trata de celebrar ou lamentar uma diversidade passada, residualmente mantida ou irrecuperavelmente perdida -- uma diferença diferenciada, estática, sedimentada em identidades separadas e prontas para consumo. Sabemos como a diversidade socioambiental, tomada como mera variedade no mundo, pode ser usada para substituir as verdadeiras diferenças por diferenças factícias, pos distinções narcisistas que repetem ao infinito a morna identidade dos consumidores, tanto mais parecidos entre si quanto mais diferentes se imaginam.

Mas a bandeira da diversidade real aponta para o futuro, para uma diferença diferenciante, um devir onde não é apenas o plural (a variedade sob o comando de uma unidade superior), mas o múltiplo (a variação complexa que não se deixa totalizar por uma transcendência) que está em jogo. A diversidade socioambiental é o que se quer produzir, promover, favorecer. Não é uma questão de preservação, mas de perseverança. Não é um problema de controle tecnológico, mas de auto-determinação política.

É um problema, em suma, de mudar de vida, porque em outro e muito mais grave sentido, vida, só há uma. Mudar de vida -- mudar de modo de vida; mudar de "sistema". O capitalismo é sistema político-religioso cujo princípio consiste em tirar das pessoas o que elas têm e fazê-las desejar o que não têm -- sempre. Outro nome desse princípio é "desenvolvimento econômico". Estamos aqui em plena teologia da falta e da queda, da insaciabilidade infinita do desejo humano perante os meios materiais finitos de satisfazê-los. A noção recente de "desenvolvimento sustentável" é, no fundo, apenas um modo de tornar sustentável a noção de desenvolvimento, a qual já deveria ter ido para usina de reciclagem das idéias. Contra o desenvolvimento sustentável, é preciso fazer valer o conceito de suficiência antropológica. Não se trata de auto-suficiência, visto que a vida é diferença, relação com a alteridade, abertura para o exterior em vista da interiorização perpétua, sempre inacabada, desse exterior (o fora nos mantém, somos o fora, diferimos de nós mesmos a cada instante). Mas se trata sim de auto-determinação, de capacidade de determinar para si mesmo, como projeto político, uma vida que seja boa o bastante.

O desenvolvimento é sempre suposto ser uma necessidade antropológica, exatamente porque ele supõe uma antropologia da necessidade: infinitude subjetiva do homem -- seus desejos insaciáveis -- em insolúvel contradição com a finitude objetiva do ambiente -- a escassez dos recursos. Estamos no coração da economia teológica do Ocidente, como tão bem mostrou Marshall Sahlins; na verdade, na origem de nossa teologia econômica do "desenvolvimento". Mas essa concepção econômico-teológica da necessidade é, em todos os sentidos, desnecessária. O que precisaríamos é de um conceito de suficiência, não de necessidade. Contra a teologia da necessidade, uma pragmática da suficiência. Contra a aceleração do crescimento, a aceleração das transferências de riqueza, ou circulação livre das diferenças; contra a teoria economicista do desenvolvimento necessário, a cosmo-pragmática da ação suficiente. A suficiência é uma relação mais livre que a necessidade. As condições suficientes são maiores -- mais diversas -- que as condições necessárias. Contra o mundo do "tudo é necessário, nada suficiente", a favor de um mundo onde "muito pouco é necessário, quase tudo é suficiente". Quem sabe assim tenhamos um mundo a deixar para nossos filhos.

Eduardo Viveiros de Castro
Antropólogo do Museu Nacional (UFRJ),
Especial para o Almanaque Brasil Socioambiental 2008.

Extraído daqui.

sábado, 20 de dezembro de 2008

O Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado...


Por Jacinto Rodrigues

Resumo
Não é possível construir uma sociedade de justiça social sem mudança do modelo territorial energético, baseado na sustentabilidade ecológica.A ecologia, como fundamento substantivo da política e da técnica, torna-se essencial para a alternativa ao paradigma do capitalismo na fase da globalização.

Palavras-chave:
Desenvolvimento ecologicamente sustentado
Ecodesenvolvimento
Eco-ciência planetária

Mesmo para o cidadão comum, de hoje, é uma evidência constatar a evolução do capitalismo e reconhecer a especificidade desta etapa que se designa de globalização.Porém, a questão essencial é saber se a natureza do sistema capitalista mudou.

a) Será que desapareceram a exploração, dominação e as injustiças sociais que advêm desse modelo social?
b) Encontrou este modelo capitalista um processo de concertação dos seus antagonismos, inerentes ao seu processo de funcionamento?
c) Que ocorreu em relação à capacidade de resposta dos grupos sociais explorados e dominados, aos novos processos de economia transnacionalizada na sua nova fase do capitalismo financeiro, “financiarização”, de cibernetização tecnológica, “informatização” e alargamento manipulatório “mediatização”? (AMIN 1997))

No estado actual, a etapa da globalização alargou a economia de mercado para uma fase cada vez mais gravosa para com o equilíbrio da biosfera. O valor de uso dos produtos tornou-se presa de interesses financeiros dominantes. O oligopolismo, ou seja, o capital financeiro sobrepôs-se à lógica de investimentos produtivos. A geopolítica do capital transnacionalizado impôs modelos sociais/militares e tecnológicos mundializados.

A generalização de uma tecnologia que produza um antagonismo crescente em relação à biosfera.
Esse antagonismo crescente revela-se essencialmente pelo facto de que este modelo tecnológico funciona como uma predacção exterminadora dos bens planetários criando simultaneamente resíduos superiores à reciclagem de que dispõe a biosfera.

Os eco-sistemas são violentados pelo alargamento duma tecnologia produtora de esgotamento energético e matérias-primas, ao mesmo tempo que gera lixos tóxicos.
A generalização desse antagonismo capitalismo versus natureza, acompanha e agrava outros antagonismos essenciais. Cresce o fosso ente os grupos cada vez mais reduzidos, detentores do meios de dominação, produção e alienação e o resto da sociedade que, por sua vez, se decompõe em grupos sociais integrados e outros excluídos.

Cresce o fosso entre regiões onde o crescimentos se realizou à custa da periferia despojada dos seus próprios meios naturais de subsistência.Por outro lado, ocorrem antagonismos também entre os próprios detentores do capital porque a concentração e a concorrência inerente ao modelo mercantil acentua rivalidades em torno da conquista do poder dominante. A concentração faz-se através do aniquilamento dos mais fracos que têm de se sujeitar a essa geo-estratégia de concentração.

O modelo tecnológico, aparece com uma lógica de produtivismo quantitativo que insinua um progresso social. A tecno-ciência mecanicista/positivista (sem uma base ecológica e assente na energia fóssil e na poluição) constitui a trama essencial da produção. Com efeito, dos transportes à agro-indústria, o modelo tecno-científico hegemoniza o tipo de crescimento da economia capitalista.
O sistema de ensino do Estado, privado ou empresarial, constitui um pilar de reprodução do próprio sistema. A socialização cultural é substituída pela institucionalização escolar. Esses referentes paradigmáticos interferiram na estrutura cognitiva, criando e reflectindo uma concepção de ciência e de cultura. Os “epistemes” são produzidos e reproduzidos nesta “grelha de interpretação” (WALLACE 1963) que interessem a manutenção social.

A organização territorial consolida a integração social de maiorias e exclusão de minorias não adaptativas.
A concentração urbana caracteriza esse habitat alheado do eco-sistema. Mas a organização territorial desta fase de globalização tem gerado dispositivos topológicos (FOUCAULT, 1976) que constituem formas de integração e de dominação cada vez mais sofisticadas. A maquilhagem formal, a espectacularidade das edificações, escondem adestramentos comportamentais das populações e marcam com geo-estratégias complexas, a reprodução alargada da força de trabalho, o domínio manipulatório e/ou compulsivo de hábitos (BOURDIEU-PASSERON, 1964)), de formas de vida e de consumo.

Durante o processo da mundialização da economia capitalista, através das formas coloniais ou neo-coloniais, as sociedades tradicionais de economia de subsistência apresentaram, e apresentam ainda hoje, resistências à imposição desse modelo capitalista, social, tecnológico, territorial e educativo.

Essas sociedades tradicionais não têm actividades puramente económicas. A caça e a agricultura são actividades familiares e comunitárias. Como refere Polanyi,(POLANYI, 1980)) os princípios dessas sociedades vernaculares são formas de reciprocidade que estabelecem um tecido de obrigações mútuas estreitando os laços entre os membros da comunidade. (Goldsmith, 1995)

A tecnologia e o habitat das sociedades vernaculares constituem as formas de estar duma sociedade em busca da auto-suficiência, que obedece às imposições do nicho ecológico em que a comunidade se insereO processo educativo na sociedade, confunde-se com a socialização, vigorando o processo de adaptação à comunidade e ao eco-sistema de que são dependentes.
O processo colonial e neo-colonial instaura-se essencialmente pelo sistema tecnológico e pelos novos dispositivos territoriais. São estes elementos fortes que facilitam a “pilhagem” e produzem a catástrofe das populações nativas.

O habitat e a tecnologia tradicionais, não produziam esgotamento dos bens naturais. Os detritos eram reciclados pelo ecosistema local.A transmissão de doenças era menos fatal nas comunidades isoladas do que em populações concentradas e em situações degradadas das aglomerações urbanas.

As relações de economia de mercado vieram acelerar a desintegração dos ecosistemas pois os valor de uso ao ser substituído por valor de troca, provocou a delapidação das florestas, aumentou a desertificação e intensificou processos de concorrência que levaram a conflitos étnicos e às guerras.
Ao estabelecermos estas constatações sobre as sociedades vernaculares não queremos, contudo, considerá-las isentas de limitações e portanto não é nosso ensejo apresentá-las como o paradigma alternativo ao modelo técnico-científico do capitalismo.

As ideologias colonial e neo-colonial esforçaram-se em tecer juízos de valor sobre as sociedades vernaculares, querendo ddemonstrar a supremacia do modelo cultural e civilizacional dos países de economia dominante.
Foi o pretexto para legitimarem a colonização. Foi e é o discurso ideológico dominante.Quisemos caracterizar a situação das sociedades vernaculares mostrando como as sociedades colonizadoras, contribuíram para o desequilíbrio entre o homem e a biosfera.

O que se pretende nesta comunicação é formular uma decifração ecológica dos paradigmas entre essas sociedades, que ultrapasse a mera análise “económica”. Por isso formular uma alternativa significa ultrapassar os quadros referenciais do paradigma científico e moderno. Significa também ultrapassar antigos paradigmas em que a sujeição da humanidade ao envolvimento ecosistémico era quase total.
Ultrapassar a atitude destruidora do modelo capitalista e ultrapassar a atitude adaptativa do modelo de sociedade tradicional é o desafio que se põe para a formulação dum paradigma futurante.

Entre destruição e sujeição existe a possibilidade de uma sociedade capaz de integrar os ecosistemas de um modo activo, de maneira a tornar mais conscientes as relações dos homens com os seres vivos e com o biótopo.O alargamento da consciência planetária, o aparecimento de propostas ecotécnicas (energias renováveis e uma produção com resíduos recicláveis) e ainda o surgimento das novas formas de organização territorial ecologicamente sustentada, permitem apontar como possível, esta “utopia” social, baseada no desenvolvimento ecologicamente sustentado.

Para isso há que encarar as soluções para os antagonismos sociais mas também formular, simultaneamente, respostas às conflitualidades na biocenose e entre a biocenose e o biótopo.
Não existem portanto, soluções político-económicas em estrito senso. Política e economia enquadram-se numa eco-política mais geral, como seja a gestão do próprio planeta. Em última instância é de uma eco-sofia em processo a que teremos de recorrer para esta hipótese alternativa de paradigma.
A história da humanidade aparece apenas como um processo parcelar duma mais vasta aventura planetária. No entanto, para a humanidade, as experiências já vividas nos diferentes modos de produção, nos diversos complexos tecnológicos e energéticos, nos diversos paradigmas político-filosóficos, permitem experiência e teoria para o desenvolvimento futuro.

As aspirações por uma sociedade mais justa e solidária, ficaram assinaladas ao longo da história, por grandes movimentos de libertação. Estes movimentos sociais, só de uma forma vaga e às vezes paradoxal, referenciaram a problemática ecológica. Essas aspirações confundiram-se, umas vezes, com o mimetismo passivo à mãe terra, outras vezes, com o grito Prometaico, portador da sociedade industrial. Outras vezes ainda, ao contrário, orientaram-se para uma sabotagem do surto tecno-científico do sistema fabril.
Com o advento da teoria ecológica, reformulam-se os quadros da ciência positivista e das ideologias sociais. Reencontramos proximidades entre a geo-cosmogonia mágica nativista e as revelações duma complexidade holística da teoria ecológica. Mas há diferenças qualitativas no alargamento da consciência planetária e na capacidade de controlo da humanidade para o equilíbrio ou desequilíbrio entre a organização social e a biosfera.

Se, através da tecnociência se conseguiram autênticos massacres na biosfera, criando a poluição generalizada, a devastação das florestas, a desertificação dos solos, a contaminação das águas, a partir da investigação eco-técnica é possível a produção de protótipos de energias renováveis que não esgotem os bens naturais nem poluam o planeta.A evolução do conhecimento nas ciências do território, permite a implantação de novos habitats integrados no ecosistema.
O habitat, território, desenvolvimento, bioagricultura, ecotécnica, produção e reciclagem, são corolários sistémicos para um desenvolvimento ecologicamente sustentado.
É nesta configuração territorial e com estes novos dispositivos eco-tecnológicos que se podem propiciar novos comportamentos e atitudes solidárias mais consentâneas com as aspirações de justiça social.Estes lugares matriciais podem assim, facilitar uma socialização solidária, uma eco-territorialização e uma eco-técnica imprescindíveis para a concretização desta utopia realizável.

Esta utopia não é um “modelo”. É um processo de mudança alternativa à sociedade tradicional de subsistência e à sociedade de globalização do capitalismo neo-liberal.
No terreno prático, o que se pretende, neste artigo, é defender o eco-desenvolvimento (SACHS, 1995) como alternativa para qualquer das sociedades. Qualquer que seja a etapa de crescimento, terá que ter uma opção tecnológica e territorial ecologicamente sustentável que possa auferir experiência prática, teórica e científica da humanidade.

As sociedades vernaculares ou tradicionais, têm uma proximidade material das preocupações ecológicas. Mas, ao mesmo tempo, encontram-se longe das opções reflexivas que podem garantir pela eco-técnica actual, uma melhoria das tecnologias apropriáveis, tradicionais. Contudo, nas sociedades do capitalismo global, será necessária a reconversão da tecnociência à ecotécnica. Terá que surgir uma “medicina planetária” (LOVELLOCK, 1998) capaz de curar as mazelas do crescimento produtivista.

Cresceram os perigos gerados pelo modelo de crescimento. A vida quotidiana dos cidadãos é cada vez mais marcada pelos desastres ecológicos, quer sejam alimentares quer sejam climatéricos.Há cada vez mais movimentos que tomam consciência planetária desses perigos e mais claramente surgem alternativas concretas no domínio da eco-técnica, da organização territorial e do modo de vida. São experiências exemplares que tendem a multiplicar-se.
Novas formas organizativas, como redes não hierarquizadas onde a unidade se estabelece pelo direito à diferença, despontam em todos os países. Da federação destas organizações e da participação duma “ciência cidadã” (IRWIN 1998) surgem já expressões dum internacionalismo solidário no desenvolvimento ecologicamente sustentado, visível em Seatle e Porto Alegre.

Referências bibliográficas
(1)Amin, Samir, “Imperialismo e Desenvolvimento Desigual”, 1998, Ed. Ulmeiro“Eurocentrismo”, 1999, Ed. Dinossauro“Desafios da Mundialização”, 2001, Ed. Dinossauro
(2) Bourdieu-Passeron, “Les Heretiers”, 1964, Ed. Minuit, Paris
(3) Foucault, Michel, “La gouvernementalité” in « Magazine Litteraire », nº 269, 1998« Surveiller et Punir », 1976, Ed. Gallimard, Paris
(4) Goldsmith, Edouard “Desafio ecológico”, 1995, Ed. Inst. Piaget
(5) Irwin, Alane, “Ciência Cidadã”, 1998, Ed. Inst. Piaget
(6) Lovellock, James, “Ciência para a Terra”, 1998, Ed. Terramar
(7) Polanyi, K. “The Great Transformation”, 1980, N.Y.
(8) Sachs, Ignacy, “Norte-Sul: Confronto ou Cooperação?” in “Estado do Ambiente no Mundo”, 1995, Ed. Inst. Piaget
(9) Wallace, A.F.C. “Culture and Personality”, 1963, Ed. Rondon House, N.Y.

Artigo da autoria de:
Professor Doutor Jacinto Rodrigues, catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.
2005

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Aranhas dos Açores



Uma página Web sobre aranhas dos Açores pode ser consultada aqui.

Caso encontre alguma aranha e tenha curiosidade em saber de que espécie se trata contacte os responsáveis pela página ou mande-nos um mail que o faremos chegar aos destinatários.

Nunca se sabe se não será uma espécie desconhecida ou , ainda, insuficientemente estudada. Para além de satisfazer a sua curiosidade poderá estar a contribuir para um melhor conhecimento da riqueza faunística dos Açores.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Açores Lindos, Açores Limpos?




Litoral dos Fenais da Luz, São Miguel, 13 de Dezembro de 2008

sábado, 13 de dezembro de 2008

A propósito da Lagoa do Fogo e da Sua Liga de Amigos


No passado dia 29 de Outubro, em reunião realizada em Ponta Delgada, foi criada a Liga dos Amigos da Lagoa do Fogo, movimento cívico que tem como missão a conservação da Reserva Natural da Lagoa do Fogo.
Este movimento cívico e o CAES- Colectivo Açoriano de Ecologia Social que se encontra associado ao Blog Terra Livre, constituem uma lufada de ar fresco no quase apático movimento ambientalista nos Açores.
Com efeito, apesar da crescente institucionalização das ONGAS, que se tem traduzido em mais apoios governamentais, o panorama é desolador. Assim, numa breve referência às maiores associações verifica-se o seguinte:
1-A Quercus- São Miguel não tem tido qualquer actividade pública, desde o falecimento de Veríssimo Borges, seu principal dirigente;
2-A Azórica mantém tem uma actividade bastante reduzida, muito longe dos primeiros tempos áureos;
3-A Gê- Questa, tem, hoje, uma actividade irregular;
4-Os Montanheiros, tem, maioritariamente, a sua actividade centrada no desporto de ar livre e na gestão turística de cavidades vulcânicas;
5-A associação Amigos dos Açores é a única que tem tido uma actividade relevante, não só em termos de sensibilização/formação, mas também de denúncia de atentados ambientais.
O carácter inovador da Liga dos Amigos da Lagoa do Fogo é, para já, a sua não formalização, o agrupar um conjunto de activistas membros de várias associações existentes e o centrar a sua actividade no voluntariado e na acção directa.
A título de exemplo, registaria a primeira actividade da Liga que consistiu numa acção de limpeza de plantas invasoras ocorrida, na Reserva Natural da Lagoa do Fogo, no passado dia 22 de Novembro. De acordo com notícia publicada no Blog da Liga, participaram na acção cerca de 20 elementos, apoiados por dois Vigilantes da Natureza, que removeram exemplares das seguintes espécies invasoras: conteira (Hedychium gardneranum), silva-mansa (Leycesteria formosa), pica-ratos (Ulex europaeus), nespereira (Eriobotrya japonica), polígono de jardim (Persicaria capitata) e cletra (Clethra arborea).
Outra questão que tem preocupado a Liga dos Amigos da Lagoa do Fogo é a reflorestação de uma mata que está a ser cortada em plena Reserva Natural, num terreno com um declive muito elevado.
Não contestamos, tal como a Liga, a autorização para o abate de criptomérias, o que não podemos aceitar é que a reflorestação seja feita com a mesma espécie, em detrimento de espécies nativas e endémicas dos Açores.

Teófilo Braga

(Publicado no Jornal Terra Nostra, nº 383, 12 de Dezembro de 2008, p. 27)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Madeira- A propósito do teleférico do Rabaçal

Caros Amigos / Caríssimas Amigas,

Ontem, o Secretário Regional do Ambiente e Recursos Naturais, durante o debate do Plano e Orçamento para 2009, revelou que tinha aprovado o Estudo de Impacto Ambiental, viabilizando a construção do teleférico no Rabaçal, em plena floresta Laurissilva, classificada como Zona Especial de Conservação da Rede Natura 2000, Reserva Biogenética do Conselho da Europa e Património Natural Mundial pela UNESCO.

Informou ainda que tal aprovação dependia de três requisitos: “a adopção de medidas de minimização dos impactos, um plano de gestão de acesso àquela área e um pedido de parecer à UNESCO, cujas recomendações serão escrupulosamente seguidas”.

Quanto à minimização de impactos, trata-se dum mero analgésico para acalmar a opinião pública. O exemplo da urbanização que está crescendo de forma assustadora na Ponta de São Lourenço, Sítio da Rede Natura 2000 e Reserva Natural Parcial (Parque Natural da Madeira) é a prova inequívoca de que os estudos apresentados aquando da aprovação dos projectos não são minimamente respeitados após o início das obras.

O “plano de gestão de acesso” é algo que soa a estranho, pois o que é urgente é o Plano de Gestão da Laurissilva, bem como os planos de gestão dos outros 10 sítios da Rede Natura, que até ao momento o Governo Regional da Madeira não foi capaz de implementar.

Estranho que só dois anos após a abertura do concurso para a concepção e construção do teleférico seja pedido um parecer à UNESCO. Julgo que se trata duma reacção ao envio à UNESCO e ao Comissário do Ambiente da petição dinamizada por um grupo de cidadãos da QUERCUS e da Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal, que já ultrapassou as 5800 assinaturas.

E já que estamos a falar da UNESCO, seria interessante que o Senhor Secretário esclarecesse quando ficará pronta a reformulação da proposta de candidatura das Selvagens a Património Mundial. Ou será que a candidatura foi mesmo chumbada?



Saudações ecológicas,

Raimundo Quintal

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

A nova geopolítica da fome

João Pedro Stédile; 25 de Novembro de 2008

Nos anos 60, 80 milhões de pessoas sofriam fome no mundo. Estava no auge o capitalismo industrial e as empresas multinacionais expandiam-se por todo o planeta para dominar os mercados e explorar a mão-de-obra barata e os recursos naturais dos países periféricos. Nesse contexto, foi lançada a Revolução Verde, que prometia acabar com a fome. O seu mentor, Norman Borlaug, recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1970. O verdadeiro objectivo era introduzir uma nova matriz produtiva na agricultura com base no uso intensivo de insumos industriais. A produtividade por hectare aumentou e a produção mundial quadruplicou. Mas os famintos passaram de 80 milhões para 800 milhões.

Hoje em dia, 70 países dependem das importações para alimentar os seus povos. Isto demonstra que o novo modelo de agricultura serviu para concentrar a produção e o comércio agrícola mundial de alimentos em não mais de 30 multinacionais: Bunge, Cargill, ADM, Dreyfuss, Monsanto, Syngenta, Bayer, Basf, Nestlé, etc. Uma notícia ruim recente diz-nos que, segundo as estimativas, as reservas de petróleo, fonte de energia dominante no mundo contemporâneo, não vão durar mais de 30 anos. Outra avaliação inquietante nos alerta que avança perigosamente o aquecimento global.

Diante desta perspectiva formou-se uma aliança diabólica entre as empresas petroleiras, automobilísticas e agro-industriais para produção em grande escala de agrocombustíveis (que enganosamente são chamados de biocombustíveis) como o etanol em países com abundância de terra, sol, água e mão-de-obra barata. Nos últimos cinco anos, milhões de hectares antes dedicados à alimentação e controlados por camponeses foram captadas por grandes empresas e utilizadas para implantar monoculturas de cana-de-açúcar, soja, milho, palma africana ou girassol a fim de produzir etanol ou óleos vegetais.

Está repetir-se a manipulação da Revolução Verde. Neste caso, como o preço do etanol está vinculado ao preço do petróleo, a taxa média de lucro da agricultura sobe de nível e faz aumentar os preços da comida. Entretanto, os agrocombustíveis não resolverão o dilema da energia nem do aquecimento global. Os cientistas alertam-nos que para substituir apenas 20% de todo o petróleo consumido no mundo actualmente teríamos de utilizar todas as terras férteis do planeta. Já estávamos a viver uma situação anómala na produção e nos preços dos alimentos quando sobreveio a crise do capital financeiro.

Muitos detentores de volumosas quantias de capital financeiro, seja na forma de dinheiro ou de capital fictício (títulos do Tesouro, obrigações, hipotecas), temerosos de enfrentar perdas, correram para investir nas bolsas de mercadorias e futuros e comprar bens naturais – terra, energia, água – nos países periféricos. Com consequência desses movimentos de capitais, as cotações dos produtos agrícolas em todo o mundo já não estão relacionadas com os custos de produção e nem mesmo com os volumes da oferta e da procura. Agora oscilam rapidamente ao ritmo das especulações na bolsa e do controle oligopólico exercido pelas multinacionais sobre o mercado internacional de alimentos. Isto é, que a humanidade está nas mãos de um punhado de multinacionais e de grandes especuladores.

Resultado: segundo a FAO, os famintos aumentaram novamente, somente nos dois últimos anos, de 800 milhões para 925 milhões. E milhões de camponeses na América Latina, Ásia e África estão a perder as suas terras e a emigrar. Diante desta nova situação, a Via Camponesa, que reúne dezenas de organizações de camponeses de todo o mundo, postula uma transformação radical no sistema da produção e do comércio dos alimentos. Defendemos o princípio da soberania alimentar: que em cada região e em cada país os governos apliquem políticas públicas que estimulem e garantam a produção e o acesso a todos os alimentos necessários para as suas respectivas populações.

Não existe nenhuma região no mundo que não tenha capacidade potencial de produzir a sua própria alimentação. Como explicou na década de 50 Josué de Castro, autor de Geopolítica da fome, a fome e a falta de alimentos não provêm de uma condição geográfica ou climática, mas são resultado de relações sociais de produção. Afirmamos que a humanidade deve considerar a alimentação como um direito natural de todo o ser humano. Isto implica que os produtos agrícolas não devem ser tratados como uma mercadoria cuja finalidade seja o lucro empresarial, e que se deve estimular e fortalecer os pequenos agricultores, já que esta é a única política que pode manter a população nas áreas rurais. E desde já, com a meta de obter alimentos sãos e seguros, excluímos o uso de agrotóxicos. Até agora, os governantes fizeram-se de surdos às nossas reclamações. Mas, a menos que adoptem mudanças radicais, as contradições e os problemas sociais se agravarão e, cedo ou tarde, explodirão.

Fonte: Brasil de Fato

Extraído daqui.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Térmitas dos Açores



Interessante filme sobre a maior praga urbana dos Açores.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Leycesteria formosa

Planta invasora em São Miguel

No Sábado, 15 de Novembro, realizei, com os “Amigos dos Açores”, o percurso pedestre entre o Monte Escuro e a Lagoa do Congro, com passagem pela Lagoa do Areeiro.
Conheço a área em causa desde 1993, ano em que realizei para a RTP a série de documentários “Madeira e São Miguel à Luz da Geografia”, tendo ali voltado mais algumas vezes, a última das quais em Abril de 2003.
No intervalo de 5 anos que mediou as últimas duas visitas, a flora daquela área sofreu uma preocupante alteração devido à invasão duma espécie arbustiva de folha caduca, a Leycesteria formosa, da família Caprifoliaceae, que em São Miguel ainda não tem nome popular, mas que na literatura inglesa da especialidade é referenciada como ‘Purple Rain’ ou ‘Hymalayan Honeysucke’.

Leycesteria formosa

Esta ‘Madressilva dos Himalaias’ é oriunda da mesma região do globo da mais agressiva invasora da vegetação micaelense, a Conteira (Hedychium gardnerianum).
A Leycesteria formosa atinge dois metros de altura, é bastante popular nos jardins ingleses e deve ter sido importada como planta ornamental. Possui flores pequenas e brancas, envolvidas por brácteas avermelhadas, dispostas em cachos pendentes bastante atractivos.
Em São Miguel floresce muito bem no Verão e frutifica abundantemente. Os frutos são bagas purpúreas quando maduras, com 1 cm de diâmetro, doces e muito apreciadas pelos pássaros, que dispersam as sementes, que germinam muito facilmente em locais com boa exposição solar ou meia sombra. É uma espécie de crescimento rápido, muito rústica quanto a solos e que suporta ventos fortes desde que não sejam carregados de sal.
Segundo testemunho de alguns amigos, que com frequência visitam a Lagoa do Congro, foi especialmente nos últimos dois anos que a espécie invadiu os taludes e as bermas dos caminhos, chegando a ocultar as hortênsias (Hidrangea macrophylla).

A Leycesteria formosa nos últimos dois anos cobriu as bermas dos caminhos que envolvem a Lagoa do Congro, chegando a ocultar as Hortênsias (Hydrangea macrophylla)

Na Segunda-feira, 17 de Novembro, ao longo da estrada entre as Caldeiras da Ribeira Grande e as Lombadas, detectei a presença da Leycesteria formosa, embora em muito menor densidade.
Na Terça-feira, 18 de Novembro, voltei a encontrar aquele arbusto dos Himalaias nas matas à volta da Lagoa das Furnas.
É importante referir que a Leycesteria formosa não faz parte da longa lista de plantas invasoras à escala mundial, integrantes do livro de Quentin Cronk e Janice Fuller, “Plant Invaders”, publicado em 1995, com o apoio de da UNESCO e do WWF.
Posteriormente tem vindo a ser referenciada como espécie invasora na Nova Zelândia e na Austrália (http://www.hear.org/gcw/species/leycesteria_formosa).
O botânico sueco Erik Sjögren, no livro “Açores – Flores”, publicado em 1984, trata o Hedychium gardnerianum, o Solanum mauritianum, a Gunnera tinctoria e o Pittosporum undulatum como espécies invasoras, mas não faz qualquer referência à Leycesteria formosa, o que leva a crer que há 25 anos não passaria duma planta de jardim, com uma presença muito discreta na paisagem micaelense.
Em 2002, no livro “Flora of the Azores – a Field Guide”, Hanno Schäfer já refere a Leycesteria formosa como uma planta que tinha escapado ao cultivo ornamental e que se tornara comum em taludes e beiras de estradas. Informava, ainda, que as sementes desta invasora recente eram importante alimento do Priôlo (Pyrrhula murina).

Os caminhos de acesso à Lagoa do Areeiro estão literalmente invadidos pela Leycesteria formosa

Pelo que tive oportunidade de observar, e pelos relatos de amigos que têm percorrido a pé a ilha de São Miguel, as populações de Leycesteria formosa têm crescido muito rapidamente nos últimos anos. Atendendo ao impacto desta invasora nas formações vegetais da maior ilha do arquipélago dos Açores, o Governo Regional deve, urgentemente, delinear uma estratégia para a sua erradicação antes que se torne irreversível como o Hedychium gardnerianum.
Raimundo Quintal