terça-feira, 3 de julho de 2018

Homenagem a Afonso Cautela, pioneiro do Movimento Ecologista em Portugal


Homenagem a Afonso Cautela, pioneiro do Movimento Ecologista em Portugal

“As bestas do Apocalipse juraram que haviam de por nas mãos da humanidade os instrumentos da sua própria destruição. E nada melhor do que as armadilhas do consumo para que a própria humanidade acione o botão que a há-de destruir” (Afonso Cautela)

Faleceu na madrugada do passado dia 29 de junho, Afonso Cautela, o fundador, em maio de 1974, da primeira organização ecologista portuguesa, o MEP- Movimento Ecológico Português. Nascido em Ferreira do Alentejo, em 1933, Afonso Cautela foi professor do primeiro ciclo, poeta e jornalista, sendo autor de várias publicações de temática ambiental.

Não tendo conhecido pessoalmente Afonso Cautela, com ele troquei alguma correspondência, nos primeiros anos da década de oitenta do século passado. Na ocasião tive a oportunidade de adquirir algumas das suas publicações, de que destaco, a título de exemplo, as seguintes: “Contributo à Revolução Ecológica”, “Manifesto Ecológico Contra a Inflação e o Custo de Vida: Ecomania ou Ecologia?”, “Luta Ecológica e Luta de Classes”, “Essa Ecologia de que Somos Cobaia”, “Viva a Doença Abaixo a Medicina” e “Ecologia e Informação: Como os jornalistas nos lavam o cérebro”.

Foi, essencialmente, inspirado na leitura das suas publicações, de tiragens muito reduzidas, que, em julho de 1982, fundei, com alguns amigos, na ilha Terceira, a Associação “Luta Ecológica” que tinha, entre outros, os seguintes objetivos, defender o ambiente, contra o Nuclear e a sociedade a caminho da autodestruição; defender o equilíbrio ecológico, as espécies animais e vegetais, dia a dia ameaçadas pela nossa civilização e divulgar alternativas energéticas.

Afonso Cautela que achava que os males deviam ser extirpados pela raiz, não era homem de meias-tintas, não poupando nas palavras para dizer o que pensava, doesse a quem doesse.

Homem de ideias próprias, dizia ele que era a sua indústria, o seu mau negócio, “num País de Burrocratas”, Afonso Cautela inspirou-se em outros pensadores como “Ivan Illich, Michel Bosquet, Emanuel Mounier, Paulo Freire, Hélder Câmara e outros … profetas da Sociedade Pós- Industrial.”

Sobre o vazio de ideias em que se vivia na década de setenta do século passado – hoje, não sei se estamos melhor- escreveu o seguinte: “O ano de 1978 confirma que a indústria das ideias continua em decadência …Os partidos contentam-se com slogans. Os intelectuais traduzem os mestres de Vincennes e chega. Os poderosos bebem uísque. Os nuclearistas exigem uma conversão prévia dos ecologistas à tecnocracia para iniciar então o debate que eles comandarão. O povo, claro, prefere bacalhau com batatas à ideia” e acrescentou: “Mas será possível viver sem ideias?” perguntava Antero de Quental dirigindo-se aos compatriotas. Mas quem se lembra hoje de Antero, que até nem escreveu nenhum amor da perdição, já que as suas ideias eram o seu ofício e elas o perderam (mataram)”.

Afonso Cautela foi uma das pessoas que mais combateu a tentativa de introdução de centrais nucleares em Portugal.

Sobre o nuclear, Afonso Cautela não distinguia os “átomos pacíficos”, das bombas, nem, ao contrário de alguns outros, fazia a distinção entre o nuclear bom, o dos países ditos socialistas, nem o mau, o dos países capitalistas.

Sobre os resíduos nucleares escreveu que eram “um dos muitos poluentes para os quais não há antipoluentes nem lixeira nem retretes” e perguntou “se afinal o crime é nosso, se dos que deitam os resíduos ou dos que, embora não os deitando, logo a seguir os esquecem, ou dizem não ter importância, ou (demagogicamente) afirmam que para todo o poluente há um antipoluente”.

Como jornalista, esteve ligado aos jornais “A Escola Nova”, “O Pintassilgo”, “República” (1965-1968), “O Século” (1972-1977) e “A Capital” (1982-1996).

Poeta de valor, viu editado em março de 2017 o primeiro volume de “Lama e Alvorada”, com quase 600 páginas, organizado por outro pioneiro do movimento ecologista, José Carlos Costa Marques, estando para breve a edição do segundo volume que reunirá alguns inéditos e obras editadas anteriormente.

Teófilo Braga

(Correio dos Açores, 31561 de 3 de julho de 2018, p.10)