Pela criação de um Colectivo Açoriano de Ecologistas que tenha por objectivo a reflexão-acção sobre os problemas ambientais, tendo presente que estes são problemas sociais e que a sua resolução não é uma simples questão de mudanças de comportamentos, mas sim uma questão de modelo de sociedade.
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018
Ratos, uma praga sem fim alimentada pelo desleixo
Ratos, uma praga sem fim alimentada pelo desleixo
Em 1991, o engenheiro Luís Monteiro, no texto de uma comunicação intitulada “As ilhas, a fauna e o turismo”, apresentada no 2º Encontro de Ambiente, Turismo e Cultura, escreveu que a fauna mamológica dos Açores era muito pobre, sendo constituída essencialmente por “elementos introduzidos acidental ou intencionalmente pelo homem”. Relativamente às espécies introduzidas, são referidas as seguintes: “o ourico-cacheiro (Erinaceus europaeus), o ratinho (Mus musculus), a ratazana castanha (Rattus norvegicus) e a ratazana (Rattus rattus), o coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus), introduzido possivelmente ao mesmo tempo que os primeiros colonos, a doninha (Mustela nívalis) e o furão (Mustela furo)”.
A presença de ratos na ilha de São Miguel é muito antiga, tendo o cronista Gaspar Frutuoso a eles feito referência, nas Saudades da Terra, nos seguintes termos: “…Estes cágados se criariam bem nesta terra por esta experiência que se achou, como se criam doninhas e infinidade de ratos”.
Num texto publicado no jornal “A Ilha”, no dia 13 de outubro de 1956, o Dr. Carreiro da Costa menciona que o coronel Afonso Chaves mencionava a existência de três espécies de ratos, o das quintas, o murganho e o comum das casas. Os dois primeiros teriam chegado através dos navios que cá aportavam desde o povoamento e a última espécie terá sido introduzida em São Miguel através de um navio russo que naufragou há cerca de cem anos.
Sobre os prejuízos causados pelos ratos, podemos ler na Persuasão, de 4 de setembro de 1895, que depois do combate, contestado na altura por Tomaz Hickling e pelo padre João José d’Amaral, às aves, a grande praga dos campos eram os ratos. No texto referido, podemos ler o seguinte: “Todos os municípios deviam proceder para extingui-los como se fazia com os pássaros. A Câmara da lagoa já deu o louvável exemplo que nenhuma outra seguiu. E todavia a destruição por aqueles roedores é de extraordinárias proporções, e cada vez aumenta mais.”
No início do século XX, a praga dos ratos causava enormes danos, de tal modo que o jornal “O autonómico”, de Vila Franca do Campo, de 12 de março de 1910, escreveu que “não descansavam as mãos na distribuição de venenos por toda a face da terra micaelense e as ratoeiras chegaram a ser poucas para extirparem um inimigo, um pesadelo, que nem mesmo a dormir nos deixava tranquilos”. No mesmo texto, o autor noticia a criação, em Ponta Delgada, da Sociedade Exterminadora de Ratos que num relatório deu a conhecer que “foram mortos n’este distrito 125 447 roedores, sendo 86936 morganhos e 38 511 ratos das espécies grandes”.
Dois anos depois, através do jornal República fica-se a saber que o problema continuava., de modo que a Sociedade Exterminadora de Ratos, através do seu presidente Dr. Jayme Tavares Netto, solicitou à Junta Geral auxílio para uma campanha de desratização, tendo solicitado para tal uma verba de 1 200 000 reis.
Em 1972, Dinis da Silva, escreveu dois textos no Correio dos Açores, alertando para o facto de, depois de um período em que as autoridades atuavam convenientemente, o silêncio e inação da Junta Geral perante o problemas da proliferação dos ratos na ilha de São Miguel era tal que “de então para cá, a ratazana em paz e em campo livre, tem aumentando perigosamente e, de novo começaram a atacar os milharais, destroçando-os na terra e, depois, em todos os lugares onde se guardam os milhos mas sem segurança de espécie alguma”.
Algumas décadas depois a situação pouco se terá alterado como demonstra um artigo “Contribuição para o estudo integrado da Leptospirose humana e animal na Ilha de São Miguel”, da autoria de Mariano Pacheco, Clara Paiva, Margarida Collares Pereira, Maria Luísa Vieira e Francisco Melo Mota. Com efeito nos Açores as taxas brutas de incidência anual de leptospirose, entre 1991 e 1997, eram maiores do que nas outras regiões do país, o mesmo acontecendo com as taxas brutas de mortalidade média anual entre 1991 e 1996. Como razões prováveis, para além das condições ambientais favoráveis o documento referido aponta “uma importante densidade de roedores”.
No final do ano passado várias pessoas, sobretudo ligadas à criação de gado, “apanharam” leptospirose, a qual poderá estar associada ao aumento da densidade de ratos, devido ao excesso de alimentação dos mesmos causado por más práticas ligadas à agricultura/pecuária, à proliferação, sem as mínimas condições, de viteleiros ilegais e ao abrandamento do combate por parte de quem de direito.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31455 de 16 de fevereiro de 2018, p. 12)
Fotografia de José de Melo publicada aqui:
http://natur-mariense.blogspot.pt/2013/03/conheca-um-rattus-norvegicus-o-maior.html