Andar a pé, regressar à terra
São
diversas as razões que poderão ser apresentadas para justificar o facto das
pessoas, tendo a possibilidade e os meios de viajar sem fazerem esforço físico,
o fazerem cada vez mais usando os próprios pés.
Muitas
vezes é por iniciativa própria, outras vezes por recomendação médica, como
forma de combater o sedentarismo induzido pelo estilo de vida que é seguido
pela grande maioria das pessoas (bem) integradas nas sociedades atuais.
Mas,
mais do que “queimar gorduras”, andar a pé pode ser, como foi para Henry David
Thoreau (1817-1862), um dos grandes vultos da cultura norte americana e um dos
inspiradores do movimento naturalista, uma forma de “sentir e comunicar com uma
inteligência pura e subtil que ultrapassa o pobre saber do homem comum”.
Thoreau,
que vivia num perpétuo e constante desejo de mergulhar a cabeça em atmosferas
que os seus pés desconheciam, não se sentia bem se ficasse sem fazer uma boa
caminhada num único dia.
Para
Thoreau a caminhada não era um simples exercício físico pelo que ele
recomendava que se caminhasse “como um camelo, que segundo dizem, é o único
animal que rumina enquanto caminha”.
Tal
como Thoreau que chegou a viver mais de dois anos numa pequena cabana
construída junto a um lago, onde cultivou a terra, observou a natureza,
caminhou e escreveu, Aldo Leopold (1887-1948) também aproveitou o isolamento de
uma quinta adquirida pela família para fazer observações e escrever muitos
textos.
Aldo
Leopold, desde criança demonstrou um interesse muito grande pela observação da
fauna, sobretudo pelas aves e da flora, tendo passado muito tempo da sua vida a
aventurar-se por bosques e pradarias que na altura estavam quase em estado
selvagem.
De acordo com Martins Ferro, “para Leopold, o
que é importante no usufruto da natureza não é propriamente o troféu de caça ou
o «consumo» dos espaços naturais. Na era da mecanização, o «entusiasmo» pela
natureza (todo-o-terreno, motas de água, armas de fogo) pode tornar-se numa
força destruidora, e isso podemos nós constatá-lo diariamente. O que é
importante, para o grande conservacionista, é o enriquecimento da perceção”.
Leopold que defendia o regresso à terra
justifica-o do seguinte modo:
"A capacidade de
apreender o valor cultural da natureza selvagem reduz-se, em última análise, a
uma questão de humildade intelectual. O homem moderno de mente artificial, que
perdeu o seu enraizamento na terra, julga que descobriu já o que é importante;
ele é do género de palrar de impérios, políticos ou económicos, que hão-de
durar mil anos. Só o estudioso compreende e aprecia que toda a história
consiste em sucessivas excursões a partir de um único ponto de partida, ao qual
o homem regressa uma e outra vez para organizar mais uma busca com vista a uma
escala de valores. Só o estudioso compreende por que razão a crua natureza
selvagem confere nitidez e significado à aventura humana."
A bióloga e escritora
norte-americana Rachael Carson (1907-19649) era adepta das caminhadas e
costumava fazê-las na companhia de seu sobrinho Roger, mesmo em dias de chuva.
Para ela “os prazeres duradouros do contacto com o mundo natural não são
reservados aos cientistas mas encontram-se ao alcance de quem quer que se
coloque sob a influência da terra, do mar e do céu e da sua assombrosa vida”.
Para a autora de
“Primavera Silenciosa”, “explorar a natureza com uma criança resume-se em
grande parte a sermos recetivos a tudo o que nos rodeia. A reaprender a usar os
nossos olhos, os ouvidos, as narinas, as pontas dos dedos, desobstruindo os
abandonados e mal usados canais das impressões dos sentidos”
Por
último uma breve referência a Antero de Quental que também gostava de caminhar.
O
grande poeta açoriano, pelo menos durante o período em que frequentou a
Universidade de Coimbra, entre 1856 e 1864, adorava fazer longas caminhadas na
companhia de amigos. Manuel de Arriaga conta que “Antero era a alma viva, o
ponto de convergência das nossas discussões, o mais dileto dos nossos
companheiros” nas “largas excursões pelos arredores de Coimbra, Buçaco,
Figueira, Senhor da Serra e Lousã”.
Teófilo Braga
(Correio dos Açores, nº 2865, 7
de Agosto de 2013)