A realização de uma
tourada no passado dia 19 de Agosto na única cidade antitouradas de Portugal,
contra a decisão da Câmara Municipal de Viana do Castelo que não a autorizou,
mas que contou com a complacência de um juiz de um tribunal de Braga, levou-me
a refletir sobre o assunto e a levantar algumas questões, relacionadas com a
suposta imparcialidade das várias instituições no que diz respeito à elaboração
e ao cumprimento das leis que eles próprios criaram.
Até serem legalizadas
as touradas de morte em Barrancos, com uma ajudinha do ex-presidente da
República, Jorge Sampaio, amigo da tortura animal, foram cometidas ao longo de
vários anos inúmeras ilegalidades sem que os prevaricadores tenham sido
devidamente punidos. Uma vez mais, estiveram os poderes instalados ao serviço
do retrocesso civilizacional e da imoralidade.
Nos Açores, a situação
é por demais semelhante ao que se passa a nível nacional e até internacional.
Se não fossem os apoios do Governo Regional e, pasme-se, da própria Assembleia
Legislativa Regional que promove touradas, das autarquias, com destaque para as
Câmaras Municipais de Angra do Heroísmo e da Praia da Vitória, as touradas de
praça já tinham acabado e as de corda estariam reduzidas. Além disso, não
poderá ficar esquecido o agrupamento de Estados denominado União Europeia que
dizendo apoiar a agricultura ou a agropecuária hipocritamente subvenciona a
criação de touros para serem torturados em espetáculos degradantes e violentos.
Deixando de lado as
leis que são imorais pois, condenando os maus tratos animais, abrem exceção
relativamente aos touros, se analisarmos a atuação das entidades que deviam
zelar pelo cumprimento da lei, chegaremos à conclusão que a única legislação
que é cumprida no que se refere a touradas é a lei da selva.
Já foram denunciadas,
que eu saiba, à Direção Regional da Cultura (ou melhor Direção Regional da
Tortura) a realização de uma tourada em Dia de Luto Nacional e a presença de
crianças com menos de seis anos em diversas touradas, na ilha Terceira. No
primeiro caso a resposta foi do género: “não sabíamos que José Saramago ia
morrer” e no segundo caso, até há algum tempo, o silêncio absoluto.
No caso da presença
das crianças que lá estão levadas pelos familiares, embora em muitos casos
chorem de medo, como já foi denunciado por quem já assistiu, as entidades
fecham os olhos pois sabem que não é apenas a chamada arraia-miúda que o faz
mas também pessoas que ocupam os mais altos cargos governamentais e
autárquicos.
A presença da polícia
muitas vezes não é para obrigar o cumprimento da lei, mas sim para garantir a
segurança de espetáculos que nem cumprem o estipulado nas leis, nomeadamente em
termos de licenciamento e de publicidade. Para confirmar o mencionado basta
consultarem os cartazes que divulgaram as touradas à corda promovidas por
comissões de festas, da Igreja Católica, da Pedreira de Nordeste, dos Aflitos
ou de Santa Bárbara (Ribeira Grande). Em dois dos casos, a não indicação da
proveniência dos touros (por vezes bezerros que deixaram a “fase de aleitação”
há pouco tempo) poderá estar associada a uma tentativa de fuga aos impostos por
parte dos seus donos.
Sabendo que o que se
pretende é acabar com o desnecessário sofrimento animal, será que podemos
confiar cegamente nas entidades que tudo têm feito para que as coisas continuem
como estavam no início do século passado ou em alguns casos pior?
Mas, perante uma
conjuntura desfavorável, os amigos dos animais não devem desistir. Devem
auto-organizar-se em associações ou em grupos informais e assim combater a
indústria tauromáquica, denunciando os seus negócios sujos, todas as
irregularidades e rebatendo todas as inverdades que é por eles transmitida.
Só conseguiremos uma
sociedade melhor para todos, animais incluídos, se formos capazes de romper o
cerco de alguma comunicação social e se conseguirmos fazer chegar a mensagem da verdade à maioria da população
açoriana.
Manuel Soares