Pela criação de um Colectivo Açoriano de Ecologistas que tenha por objectivo a reflexão-acção sobre os problemas ambientais, tendo presente que estes são problemas sociais e que a sua resolução não é uma simples questão de mudanças de comportamentos, mas sim uma questão de modelo de sociedade.
domingo, 10 de junho de 2012
A notícia de que os residentes no município espanhol de Guijo de Galisteo optaram por gastar 10 000 euros em touradas em vez de criarem empregos locais, apesar da taxa de desemprego ser da ordem dos 31%, publicada no jornal britânico The Guardian, no passado dia 4 de Junho, terá apanhado várias pessoas de surpresa, o que não foi o meu caso.
Com efeito, tenho refletido muito sobre a indústria do lazer e lido, também, muito sobre a história da tauromaquia, tanto a nível nacional como a nível da ilha Terceira, e já havia chegado à conclusão de que séculos de habituação e de deseducação fomentados pelos detentores do poder político, económico e religioso levaram à alienação dos cidadãos que preferem viver das migalhas do Rendimento Social de Inserção, das ajudas do Banco Alimentar ou de outra qualquer instituição de solidariedade social do que ter um trabalho devidamente remunerado.
Vivi vários anos na ilha Terceira, na década de oitenta do século passado, e no meu local de trabalho verifiquei que nos dias de tourada à corda, havia funcionários que andavam com a “cabeça no ar” e que, ou não eram capazes de estar no trabalho um minuto a mais, ou saiam mais cedo, não cumprindo o horário de trabalho estabelecido.
Ainda por estes dias, vi em montras de estabelecimentos comerciais a indicação de que estavam encerrados pois havia tourada nesta ou naquela localidade. Quando se diz que a tourada fomenta a economia, mais propriamente o comércio, o exemplo referido só mostra que beneficia algum em detrimento de outro.
Além disso, gostaria de saber como pode sobreviver a economia de uma região se se basear na venda de favas importadas da Cochinchina, amendoins da China, cerveja do continente português, batatas de Espanha ou de outro país qualquer?
Já agora, que bens são produzidos pelas touradas que possam ser exportados?
Os “afamados” vídeos com as marradas, que são um bom exemplo de deseducação e de despromoção turística ou as garrafas de cerveja que são recolhidas e que voltam à origem para serem recicladas?
A situação que se vive hoje é reflexo do que se viveu no passado e prova que na questão do bem-estar animal ou dos direitos dos animais muito pouco se avançou, embora as touradas à corda sejam menos violentas, porque os homens ditos “cultos” ou as chamadas “elites” não tiveram nem têm qualquer interesse.
Termino este texto, divulgando o que escreveu, no século XIX, um continental que visitou a ilha Terceira e que ficou horrorizado com o que viu, numa tourada à corda, no Pico da Urze.
Aqui ficam alguns extratos:
“Imagine-se um boi preso pela cabeça por uma grossa e pesada corda, a cuja extremidade pegam quatro valentes homens, que, na ocasião do animal ir esticando a corda, a puxam com tal violência que o animal cai, algumas vezes embrulhado na corda pelos pés e mãos!”
….
“Vi aqueles animais, vítimas da ferocidade do delirante momento, espumando sangue pela boca e pelas ventas, arfando continuamente do cansaço, moídos de pancadas e de mil torturas!
Quando o animal enfraquece, e que todos podem impunemente espicaçá-lo com os varapaus, ficando como o leão da fábula, o entusiasmo sobe de ponto, redobram as torturas, e estou certo que os corações dos espetadores se expandiriam em alegria se porventura o vissem sucumbir”
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“Em se falando em touros é um delírio, perdem-se interesses, larga-se o trabalho, vai para o prego algum objeto de indispensável uso doméstico, porque o divertimento (?) tem uns certos acessórios, para cuja satisfação tudo é preterido”
Mariano Soares
10 de Junho de 2012