quarta-feira, 6 de julho de 2011

O nome das coisas



1- Bufo?

Há alguns anos, já não me lembro quantos, um jovem investigador ligado à Universidade dos Açores, não sei se finalista de algum dos cursos da área da biologia, chegou à conclusão de que os açorianos estavam redondamente enganados. Com efeito há vários séculos chamavam milhafre ou queimado àquilo a que deviam chamar de águia-de-asa-redonda.
Há quase trinta anos aprendi com investigadores seniores das Universidades de La Laguna (Canárias) que, em relação aos nomes vulgares das localidades, de plantas ou animais, o mais correcto é perguntar às pessoas e não estar a “inventar” nada de novo. Assim, entendo que quem nos visita ou quem está cá por qualquer razão não tem o direito de impingir designações que não são as nossas.
Vem este arrazoado a propósito de várias designações de plantas e de aves que têm aparecido em algumas publicações. Se em relação às plantas, tive a oportunidade de confirmar através de consulta bibliográfica que muitas das designações comuns foram importadas da ilha da Madeira, no que toca às aves, a maioria das designações que têm surgido ou são “inventadas” ou são copiadas das usadas em Portugal continental.
Nada tenho com a divulgação dos nomes que são dados às várias espécies nas mais diversas localidades do país, mas não posso respeitar a substituição, qualquer seja o pretexto invocado, das designações usadas nos Açores por outras venham donde vierem
Mas, no meio de tanta imaginação criadora há uma coisa que me irrita: designar “bufo” à rapina nocturna que desde criança conheço com o nome de coruja, mas que também é conhecida por mocho. A ave não merece!
Consultando alguma bibliografia é fácil chegar à conclusão de que as duas designações usadas nos Açores sempre foram coruja ou mocho, nunca aparecendo qualquer menção ao dito bufo, provavelmente por não existir entre os animais ditos irracionais quem se comporte como alguns humanos.
Tanto o Dr. Francisco Carreiro da Costa, num dos números do Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, como o Padre-mestre, vila-franquense, Ernesto Ferreira, em apontamentos etnográficos, falam sobre a coruja na superstição popular. Este último diz-nos o seguinte: “o pio da coruja e de um palmípede marinho, a cagarra, por cima de uma casa, prognostica que nesta haverá morte próxima”.
O terceirense Alfredo da Silva Sampaio, por seu lado, refere que o mocho existe no interior da ilha e é raro e acrescenta: “Drouet menciona também o Strix-flammea (coruja), como existente nos Açores, mas na Terceira é desconhecida”.

2- Ignorância e educação

No início da década de noventa do século passado, houve um reputado escritor que chamou ignorantes aos açorianos pois, nas suas andanças pelas ilhas, ao perguntar a várias pessoas os nomes de algumas plantas ouviu como resposta, muitas vezes, que eram ervas, não conseguindo identificar as espécies em questão.
Se o mesmo voltasse, hoje, aos Açores ficaria aterrorizado. Com efeito, excluindo algumas pessoas mais idosas e um ou outro jovem mais curioso, é cada vez menor o número de pessoas capaz de identificar uma simples planta, mesmo das mais comuns, ou qualquer ave, para além do pardal ou do milhafre e mesmo assim, ainda, vão ouvir da boca de muitos que se trata de um açor.
A título de exemplo, há cerca de dois anos, entregaram-me, no meu local de trabalho, um pombo jovem (borracho) que tinha caído do ninho para tratá-lo e depois libertá-lo. Não é que algumas das pessoas que o observaram diziam que se tratava de um corvo!
Mais recentemente um grupo de jovens encontrou um pardal pequeno e também me entregou. Estaria tudo bem se entre eles não tivesse surgido uma grande dúvida: tendo em conta a sua cor seria uma ave ou um rato.
Face ao exposto, todos os esforços que se façam para dar a conhecer o nosso património natural são sempre bem-vindos. A minha grande dúvida é se chegam a quem verdadeiramente deles precisa.

Teófilo Braga

Fonte: Correio dos Açores, 6 de Julho de 2011