Pela criação de um Colectivo Açoriano de Ecologistas que tenha por objectivo a reflexão-acção sobre os problemas ambientais, tendo presente que estes são problemas sociais e que a sua resolução não é uma simples questão de mudanças de comportamentos, mas sim uma questão de modelo de sociedade.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Justiça climática: um imperativo civilizacional
texto de Ricardo Coelho retirado do Ecoblogue
A luta pela justiça ambiental baseia-se na noção de que os problemas sociais e os problemas ambientais estão interligados, reforçando-se mutuamente. Esta luta une indígenas de todo o mundo, comunidades de negros e hispânicos nos EUA, movimentos de agricultores, de sem-terra, de desempregados e precários, em suma, todos os explorados do mundo, no ataque às fundações da degradação ambiental. Superando o discurso politicamente correcto e vazio de conteúdo presente em muitas campanhas promovidas por ONG's fortemente ligadas à indústria, o movimento pela justiça ambiental encontra no capitalismo global a raiz das desigualdades sociais e da destruição do planeta.
A variante mais famosa deste movimento actualmente é a justiça climática. Movimentos agrupados em torno da rede Acção pela Justiça Climática (1) estão a mobilizar-se para denunciar a forma como o Protocolo de Quioto nada fez para resolver o problema do aquecimento global, dado que se baseia em mecanismos de mercado. O mercado de carbono permitiu que os maiores poluidores lucrassem com a especulação bolsista, agravou a exploração neo-colonial dos países mais pobres, legitimou a expansão do uso de combustíveis fósseis e está a abrir a porta para a privatização dos recursos naturais em todo o mundo (2). Qualquer acordo pós-Quioto baseado num mercado de emissões irá conduzir-nos para um mundo devastado pelas alterações climáticas e agravar as desigualdades sociais.
O movimento pela justiça climática nasce, antes do mais, da necessidade de contrariar a ideia de que as alterações climáticas afectam toda a humanidade da mesma forma. Na realidade, os mais pobres serão mais prejudicados pelos problemas ambientais, exactamente por serem pobres. À medida que a água escasseia, os mais ricos do planeta terão sempre acesso a água potável mas os mais pobres terão de percorrer distâncias cada vez maiores para recolher água num poço poluído. À medida que a erosão dos solos avança, os mais ricos encontrarão novas terras para cultivar, enquanto os mais pobres morrem à fome. À medida que o mar ganha terreno sobre a costa, os mais ricos erguem paredões e ganham tempo, enquanto os mais pobres são forçados a mudar de casa.
Tudo isto parece ser consensual. Afinal, o Protocolo de Quioto reconhece o princípio de responsabilidades comuns mas diferenciadas, impondo metas de redução de emissões apenas aos países industrializados. Os líderes globais, como Barack Obama, Gordon Brown, Angela Merkel e Nicholas Sarkozy, reconhecem a necessidade de alcançar um acordo na cimeira de Copenhaga, em Dezembro, que reduza as emissões de gases com efeito de estufa sem prejudicar os mais pobres do planeta. Mas do discurso à prática vai uma grande distância.
Resolver o problema das alterações climáticas implica descarbonizar a sociedade, afrontando os interesses das empresas de combustíveis fósseis. Implica, nomeadamente, investir em transportes públicos, reduzir a utilização do transporte aéreo e marítimo, fechar centrais eléctricas alimentadas com carvão ou gás natural e acabar com a utilização de fertilizantes químicos na agricultura. Implica afrontar o consumismo e o desperdício que reinam nas sociedades ocidentais. Mas nada disto está em cima da mesa nas negociações internacionais.
O que está em cima da mesa então? Está a privatização das florestas mundiais, através da sua inclusão no mercado de carbono (3). Está a promoção de desastres ambientais, como os agro-combustíveis, a energia nuclear ou a captura e armazenamento de carbono. Está a exigência de que países em industrialização, como a China e a Índia, empreendam políticas ambientais que os países industrializados nunca aplicaram.
Neste contexto, a luta pela justiça climática assume uma cada vez maior importância. Apenas com movimentos fortes podemos colocar em cima da mesa de negociações o que realmente interessa discutir: deixar os combustíveis fósseis no subsolo, anular a dívida externa dos países mais pobres, reconhecer o papel das comunidades na gestão sustentável da natureza, respeitar os direitos dos indígenas e dos povos das florestas e colocar os sectores energético e de transporte ao serviço das populações. Daí que o Klima Forum (4), onde se juntarão milhares de activistas de todo o mundo para coordenar acções pela justiça climática, seja tão importante.
Muitas ONG's ainda não incorporaram os princípios da justiça climática no seu discurso e nas suas acções, ou fizeram-no de forma pouco satisfatória. A campanha “Tck Tck Tck”(4), por exemplo, promovida por ONG's como a Greenpeace ou a WWF, lançou uma música pela justiça climática (5), onde participam artistas conhecidos. Mas o site da campanha não só não menciona nenhuma das questões levantadas pelos movimentos pela justiça climática como entra em clara contradição com a causa quando diz que todos serão afectados pelas alterações climáticas (6). Embora reconheçam o falhanço de Quioto, estas ONG's não se demarcam da origem desse falhanço – o facto de se basear em mecanismos de mercado. Caem assim num discurso vazio de conteúdo, que em nada se distingue da hipócrita campanha promovida pelo governo britânico (7), que se pretende posicionar como líder em questões ambientais enquanto promove a expansão do uso de carvão, das auto-estradas e dos aeroportos.
Ao separar o dilema ambiental dos problemas sociais, muitos ambientalistas acabam por alinhar em campanhas que falham o alvo e podem acabar por legitimar falsas soluções para as alterações climáticas. A focalização no discurso científico promovida pelo movimento 350 (8) é um bom exemplo de como uma campanha realizada com a melhor das intenções corre o risco de servir os interesses dos grandes poluidores, na medida em que desvia as atenções do que é realmente relevante. Ao não discutir as origens sociais das alterações climáticas ou as consequências das políticas propostas para as combater, este movimento corre o risco de se tornar tão ineficaz quanto o “Pobreza zero”.
Foi por isso que movimentos de justiça climática responderam ao apelo do movimento 350 criando uma campanha contra o mercado de carbono que contou com a participação de várias ONG's de todo o mundo (9). Esta é uma entre muitas tentativas de politizar a discussão em torno das alterações climáticas, enquadrando a degradação ambiental na globalização capitalista. Toda a nossa solidariedade política deve ir para este tipo de esforços.
1 – http://www.climate-justice-action.org/
2 – Mais sobre o mercado de carbono no site da Carbon Trade Watch (http://www.carbontradewatch.org)
3 – A proposta REDD. Ver
www.ecoblogue.net/index.php?option=com_content&task=view&id=1655&Itemid=41
4 – http://tcktcktck.org /
5 – http://www.youtube.com/watch?v=aBTZOg6l6cA
6 – Ver “What is climate justice?” em http://www.timeforclimatejustice.org/home/whatisclimatejustice
7 – Petição em http://www.actoncopenhagen.decc.gov.uk/en/
8 – Este movimento foi criado em torno do estudo de cientistas da NASA que conclui que a concentração máxima de CO2 suportável pela atmosfera é de 350 partes por milhão (actualmente já ultrapassamos as 385 partes por milhão). Mais detalhes em http://www.350.org
9 – Em http://www.350reasons.org/