domingo, 30 de dezembro de 2007

Educação Ambiental, mas qual?


Síntese

Nesta breve reflexão que teve como motivação as aulas da disciplina de Educação Ambiental em Contextos Diferenciados, depois de abordar a questão das várias classificações possíveis das diversas correntes de educação ambiental, apresento três delas: a educação ambiental para a conservação, a educação ambiental ecológica e a educação ambiental popular. Depois, na sequência da questão levantada numa das aulas acerca de qual a corrente com que nos identificávamos mais, apresento a minha opinião acerca do que se faz nos Açores, tendo concluído que o que têm feito as ONGAS e o próprio Governo Regional dos Açores, é essencialmente a difusão de valores ambientais e a colaboração com programas do sistema de ensino formal.


Breve Reflexão

Do mesmo modo que quando se fala em movimentos de defesa do ambiente estamos a falar numa panóplia de vertentes, de que são exemplo o conservacionismo, que tem como preocupação central a protecção das espécies e dos sistemas naturais (Sorrentino, 2005) ou a ecologia social, de carácter libertário, que propõe um novo modelo social e uma nova forma de relacionamento com a natureza (Bookchin, 1984), também quando se aborda o tema educação ambiental estamos perante uma diversidade de “correntes”, isto é, “uma maneira geral de conceber e praticar a educação ambiental”(Sauvé, 2005).

São inúmeros os esforços no sentido da classificação das várias correntes de educação ambiental que, de acordo com Lima (1999), são “proporcionais, em número e, variedade, às tantas concepções de mundo, de sociedade, e de questão ambiental existentes”. A título de exemplo e antes de nos referirmos às que iremos aprofundar um pouco mais, apresentamos a proposta de Sorrentino que, segundo Lima (1999) as classifica em conservacionista, educação ao ar livre, gestão ambiental e economia ecológica. Por seu turno, Sauvé (2005), depois de referir que “a sistematização das correntes torna-se uma ferramenta de análise ao serviço da exploração da diversidade de proposições pedagógicas e não um grilhão que obriga a classificar tudo em categorias rígidas, com o risco de deformar a realidade”, apresenta 15 correntes, a saber: naturalista, conservacionista/recursionista, resolutiva, sistémica, científica, humanista, moral/ética, holística, biorregionalista, práxica, crítica, feminista, etnográfica, da coeducação, da sustentabilidade.

No âmbito deste trabalho apresentaremos (ver Anexo) algumas “características” das três correntes de educação ambiental propostas por Peña (1994):

- a educação para a conservação, cujos adeptos defendem o regresso à natureza, recusam o desenvolvimento tecnológico e consideram que a solução para os problemas ambientais passa pela alteração dos valores de cada um. Os seus promotores educam pelo exemplo, constroem as suas casas ecológicas, produzem os seus próprios alimentos, fazem as suas roupa , etc.;

- a educação ecológica cujos promotores não põem em causa o modelo de desenvolvimento actual, defendendo apenas alguns ajustes. Usam métodos de educação tradicionais e autoritários e pseudo - participativos. Uma educação formal, onde o educador e o especialista ocupam um papel de destaque;

- a educação ambiental popular que defende a necessidade de superar a actual lógica neoliberal e propõe mudanças políticas e a redistribuição do poder e da riqueza, sendo o seu grande objectivo fazer com que as pessoas ao aprenderem a pensar e a serem autogestionárias recuperem o poder de decisão entretanto perdido. Os seus promotores, valorizam a educação não formal e como processo contínuo e permanente. Promovem métodos do tipo participativo e dialógico, onde entre educador e educando se estabelecem relações de colaboração e aprendizagem mútua.


Mas, que educação ambiental se faz entre nós, nomeadamente o que fazem as associações de defesa do ambiente dos Açores?

Não sendo fácil responder à questão, vamos em primeiro lugar recorrer a Viola (1992) que nos diz que o papel das associações de defesa do ambiente na educação ambiental tem sido o de: 1) através da sua acção difundir valores ecológicos; 2) implementar programas próprios de educação ambiental; 3) colaborar com programas do sistema de ensino formal e 3) procurar envolver a população em programas de conservação ou restauração do ambiente danificado.

Desconhecendo-se qualquer reflexão por parte das ONGAS dos Açores sobre educação ambiental, o que conhecemos da sua prática leva-nos a concluir que a modalidade mais comum será a difusão de valores ecológicos, seguida da colaboração com programas do sistema de ensino formal. Com efeito, mencionando apenas as duas ONGAS dos Açores que têm protocolos com a SRAM- Secretaria Regional do Ambiente e do Mar com vista à gestão das Ecotecas, Os Montanheiros e Amigos dos Açores - Associação Ecológica, enquanto que a primeira tem limitado a sua actividade à gestão “turística” dos espaços naturais que gere, como a Gruta das Torres, na ilha do Pico, ou o Algar do Carvão, na ilha Terceira, a segunda que faz a gestão da Gruta do Carvão, na ilha de São Miguel, cavidade vulcânica que é visitada essencialmente por grupos escolares, tem criado materiais didácticos sobre os diversos temas que podem ser abordados no âmbito da educação ambiental, com destaque para a biodiversidade e a geodiversidade, a energia, a água, os resíduos, etc., tem mantido, anualmente, no seu plano de actividade um programa de apoio às escolas e promoveu, de Outubro a Dezembro de 2006, diversas acções de desobstrução e limpeza da Gruta do Carvão - Troço do Paim, onde foram removidos do interior desta cavidade 22 toneladas de lixos introduzidos pelo Homem e terras trazidas pelas águas de escorrência, com a participação de cerca de 50 voluntários.

Embora não muito activo, os Amigos dos Açores - Associação Ecológica possuem um Grupo de Trabalho de Educação Ambiental (GTEA), criado para “contribuir para a consciencialização acerca da interdependência económica, política e ecológica do mundo moderno, de modo a estimular o sentido da responsabilidade e solidariedade” através da Educação Ambiental, que tem como objectivos principais o apoio a professores e educadores interessados na implementação de projectos de educação ambiental e coordenar projectos de educação ambiental a implementar pela associação.

Como já tivemos oportunidade de referir, nos últimos anos, a principal actividade deste Grupo dos Amigos dos Açores, em termos de educação ambiental, tem sido implementada em parceria com a SRAM e para esta a educação ambiental consiste em “transmitir os valores ambientais do nosso arquipélago e do mundo” (Faustino, 2007).

A educação ambiental que temos tido, que não tem sido questionada nos Açores, sofre de um desvio naturalista e conservacionista, tendo como preocupação “salvar” o ambiente, entendido como recurso que é necessário “preservar para manter a maquinaria produtiva e reprodutiva do capital” (CARTEA, 2006). A corroborar estas afirmações, são elucidativas as declarações da senhora Secretária Regional do Ambiente a propósito de uma putativa Estratégia Regional de Educação Ambiental, que segundo ela existe nos Açores: “ Estamos a construir um sistema de Centros de Interpretação, que irão apoiar a visitação e o usufruto das áreas classificadas dos Açores…A abordagem não é apenas a transferência de informação, mas também o servir de alicerce para investimentos paralelos e privados”(Faustino, 2007).

Do nosso ponto de vista, para escolhermos que educação ambiental fazer, há que fazer opções: antes de mais há que escolher o modelo de sociedade que queremos. Havendo várias opções, limitar-me-ei a mencionar duas delas: a que tem subjacente o conceito de desenvolvimento sustentável ou a que propõe um decrescimento sustentável.

O desenvolvimento sustentável é “o que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de suprir as suas próprias necessidades”(Tabacow, 2006). Acerca deste conceito, concordo com alguns autores que o consideram vago, e “pouco efectivo em termos concretos”(FBOMS, 2002, citado por Tabacow, 2006), permitindo que em seu nome tudo se possa fazer, como continuar a defender um crescimento económico ilimitado num mundo em que os recursos são finitos, ou como um “fetiche útil na medida em que o seu significado depende de quem o usa, do contexto em que é usado e para que é usado” (CARTEA, 2006). Por seu turno, para o conceito de decrescimento sustentável, não está em causa, apenas, a diminuição dos consumos, mas também o modo de funcionamento da economia actual (produção – distribuição - consumo), propondo uma “ruptura da lógica subjacente ao modelo capitalista de um crescimento constante e auto-alimentado, que origina o consumismo” (Janela, 2006).

Pico da Pedra, 29 de Dezembro de 2007
Teófilo Braga

BIBLIOGRAFIA
BOOKCHIN, M., (1984), “El concepto de ecologia social”, Ecofilosofias, diseñando nuevas formas de vida- Cuaderno nº3 de la revista Integral, Integral Edicions, Barcelona.

CARTEA, P., (2006), “Elogio de la Educación Ambiental”, Trayectorias, ano VIII,nº 20-21.

FAUSTINO, P., (2007), “Nos Açores haverá cobertura de 100% no Licenciamento Ambiental”, 100 Maiores Empresas dos Açores 2006, Açormédia, Ponta Delgada

JANELA, J., (2006), “A Pegada Ecológica e o Decrescimento Sustentável”, Utopia, nº 21

LIMA, G., (1999), “Questão Ambiental e Educação: contribuições para o debate”, Ambiente e Sociedade, NEPAM/UNICAMP, Campinas, ano II, nº5, 135-153.

PEÑA, O., (1994), Hacia una educación ambiental participativa y autogestionária, tesis de maestria en Ciencias con especialidad en Medio Ambiente e Desarrollo Integrado, Instituto Politécnico Nacional, México D.F., (http://www.laneta.apc.org/urbania/urbani13.htm- consultada em 16 de Dezembro de 2007)

SAUVÉ, L., (2005), “Uma cartografia das correntes em educação ambiental”, in SATO, M., CARVALHO, I., (ed.), Educação Ambiental, Pesquisa e Desafios, Artmed, Porto Alegre.

SORRENTINO, M., (2005), “Prefácio”, in SATO, M., CARVALHO, I., (ed.), Educação Ambiental, Pesquisa e Desafios, Artmed, Porto Alegre.

TABACOW, J.(2006), “Sustentabilidade, euforia utópica ou logorréia estéril?”, in GERRA, A. (org), Iniciativa Solvin 2006: arquitectura sustentável. Romano Guerra Editora, São Paulo.

Viola, E. (1995), “O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rio-92: o desafio de uma estratégia globalista viável”, in Viola, E, LEIS, H., SCHERER-WARREN, I., GUIVANT, J., VIEIRA, P., KRISCHKER, P., Meio Ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios para as ciências sociais, Cortez/UFSC, Florianópolis.


http://amigos-acores.freehostia.com (acedido em 25 de Dezembro de 2007)


http://www.montanheiros.com (acedido em 25 de Dezembro de 2007)

TERRA LIVRE

Perante a situação a que chegou o movimento associativo de defesa do ambiente, nos Açores, considera-se de todo o interesse a criação de um colectivo, independente dos poderes políticos e económicos e aconfessional que tenha por objectivo reflexão-acção sobre os problemas ambientais, tendo presente que estes são problemas sociais e que a sua resolução não é uma simples questão comportamental mas sim uma questão de modelo de sociedade.
Este movimento não pretende competir com as associações existentes, mas sim de forma livre contribuir para a reflexão. Neste sentido, o colectivo não pretende transformar-se numa associação formal, limitando-se, numa primeira fase a ser um colectivo virtual.
São temas prioritários de discução, entre outros, os seguintes: conservação da natureza, educação ambiental, militarismo/pacifismo, energia (eficiência e alternativas energéticas), pobreza,problemas ambientais globais (alterações climáticas, escassez de recursos naturais, marginalização e terrorismo), agricultura biológica, OGM, participação (democracia directa/democracia participativa/democracia representativa, novos movimentos sociais, etc.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Ecologia Social é Pelegagem?


A Ecologia Social é pelegagem ou a Pedagogia Libertária é mera retórica, para um falar e agir intelectualmente "confortante"?

Todas as idéias novas e constatação de fatos quando concebidos ou descobertos, a princípio, sempre são recebidos com a "desconfiança" do preconceito e a sua decorrente animosidade e desvalorização. Isto para apresentar uma forma mais amena de contrariedade.

Vide o que ocorreu com "livres–pensadores" como Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei na assim chamada idade média. Homens que podem representar o advento da série de questionamentos em diversos setores do saber e na visão de mundo que desembocou no "Renascimento" cultural e a redescoberta do próprio Ocidente.

No caso de Copérnico foi uma profunda e radical mudança de paradigma, chamada de revolução Copernicana, que consistiu na teoria de que a terra move-se em torno do sol e não o inverso, que era postulado dogmaticamente pela igreja. Consiste na oposição do geocentrismo da igreja ao heliocentrismo de Copérnico, pela qual a detentora do monopólio ideológico perdia, e perdeu, muito de sua influência e poder.

Em seguida, com o "Renascimento", como autoproclamado pelos estetas da época, surgiram novos paradigmas como o antropocentrismo, que colaborou para a desconstrução do teocentrismo até este momento dominante neste processo de transformações do Ocidente.
Decorreu em seguida o mercantilismo, a reforma protestante e o racionalismo cartesiano, de base "mecanicista" e etc. sendo que este último erigiu–se como uma "nova moral religiosa da modernidade" e sua conseqüência direta foi uma visão extremamente utilitarista do mundo, subordinando–o à sua lógica "analógica", "analítica" e "digital", antes da cibernética, com os seus: racional ou irracional, certo ou errado, lucrativo ou não.

Este tipo de visão tem como prioridade secionar, atomizar o conhecimento e a sua experiência. Ele vê as partes de uma árvore ao invés da árvore, ou de um bosque. "Adestra" a visão do homem em relação ao mundo e à "natureza", das coisas a uma determinada lógica. Este paradigma gera um "conforto", uma "conformidade" do pensamento no que ele poderia inspirar de reflexões mais instigantes, obscuras e ansiosas, pois as grandes questões não-eleitas como utilitárias ou importantes, e a própria reflexão sobre esses valores, são deixadas de lado. É um "conforto" que gera "conformismo" intelectual e pensamento estático. Ela divide, escrutina, separa, seciona o conhecimento e conquista o imaginário social diminuindo o poder de intervenção e elaboração simbólica de outros saberes como as culturas e tradições ancestrais em relação à natureza, sua ética e visão do mundo e para com o mundo.

Estamos numa época de profundos conflitos, gerados pela "globalização". Também dentro desta conjuntura há o florescimento, e o resgate de outras visões de mundo, ou o surgimento de outras. Podemos afirmar que estamos caminhando, se não houver nenhum "acidente", para uma provável nova "revolução Copernicana". Mas deixemos este ponto para mais adiante. Falemos agora das polêmicas surgidas dentro do "movimento libertário" a partir destas novas conjunturas.

Com a derrocada dos regimes do capitalismo estatal, como ex–URSS e leste europeu, ou seja, o fim da "guerra fria", com o mundo todo se tornando um imenso burgo lamacento, onde espaços antes ocupados no imaginário social, e antes de tudo nos movimentos sociais, em que esquerda fetichizava o operário industrial urbano e colonizava com o seu programa outros setores, tais como camponeses, favelados e contestações de fundo étnico, dando–lhes uma dinâmica monolítica e unidimensional, e com a falência deste projeto, novos movimentos e alternativas começaram a surgir ocupando estes espaços, dentro de uma enorme multiplicidade. Estes movimentos são de todos os tipos e aspectos. Muitos são meras reivindicações como princípios em si mesmos, como o movimento dos consumidores "conscientes". Outros de perfil que poderíamos chamar "não rigidamente" de "libertários". E muitos outros fundamentalistas, como os religiosos, nacionalistas e "Nazis".

Dos anos 60, séc. XX, até a atualidade, popularizou–se a revalorização das teses e práticas "libertárias anarquistas", o surgimento e valorização de movimentos étnicos, indígena e negro por exemplo, de gênero e anti–patriarcais, gays, lésbicas e mulheres, e a verdadeira "febre"” que é o "movimento ecológico internacional", sendo isto, em muito, herdeiro de um arcabouço teórico de origem anarquista, tendo como exemplo evidente a obra "Campos, fábricas e oficinas", de Pedro Kropotkin, e um dos seus lemas mais importantes é sintomático em relação a isto, "pensar globalmente, agir localmente". Apesar deste florescimento de movimentos, ousadias intelectuais e ativistas, o mundo não se tornou uma grande "aldeia–livre".

Estas novas concepções, e as resgatadas, de movimentos e visões de mundo ainda estão sendo digeridas, e talvez o seu pleno potencial ainda seja embrionário e contraditório. Conflitos entre estes elementos não foram totalmente superados, e isto somente a prática social quotidiana poderá silenciosamente responder.

Para assinalar a partir do campo da ação e reflexão anarquista pode ser exemplificada brevemente ao nível geral a polêmica surgida recentemente a respeito da Ecologia social e da Ecologia profunda. Tentar-se-á tratar deste tema como um todo.

Com a popularização das "teses" políticas e ecológicas colocadas em pauta em todo mundo, mais fortemente a partir dos anos 60, nasceram duas vertentes neste debate de pensamento e ação radical que são a ecologia social, de influência nitidamente e diretamente anarquista, vide a obra de Murray Boockchin, anarquista norte–americano membro fundador do Instituto de Ecologia Social de Nova Iorque, e a chamada “Ecologia Profunda”, inicialmente sem ligações diretas com o anarquismo, inspirada na obra do filósofo norueguês Arne Naess e posteriormente adotada pela "eco-guerrilha", ou sabotagem ecológica, pela organização chamada Earth First!, "A Terra Primeiro!", fundada inicialmente nos EUA em 1979, pelo fuzileiro veterano da guerra do Vietnã, Dave Foreman, cujos princípios básicos da organização são: estrutura federalista e radicalmente descentralizada, não–violência, ação direta e ecologia profunda.

Entre estas duas vertentes existe uma certa animosidade mútua principalmente no campo teórico, já que a militância da EF! é mais forte e contem muitas individualidades e organizações ácratas. A EF! acusa os ecologistas sociais de excessivamente "antropocêntricos", preocupados apenas com a remediação dos problemas ecológicos, vendo apenas uma parte da vida, o homem, e não atentando para o todo do planeta, a Mãe Terra, categoria forte na EF!. Da parte dos Ecologistas sociais, aviso, nem todos de matriz anarquista já que a ecologia social se pretende enquanto uma das diversas subdivisões da ciência, acusam a Ecologia profunda de misantrópica, alienada das questões sociais e excessivamente "biocêntrica". Na linha de frente desta crítica está o próprio M. Boockchin. Como podem ver, está formada uma querela. Embora o próprio M. Boockchin no seu trabalho "Por uma ecologia social", reconheça a proximidade nos últimos tempos da EF! com a IWW, órgão sindical de orientação libertária, fato deveras inovador neste país onde o sindicalismo tem a tendência e tradição de ser corporativo e atrelado ao paradigma do credo industrial capitalista.

Para complicar um pouquinho mais este quadro, há a posição de setores anarco–sindicalistas portugueses da FAI que acusam os signatários das teses do Boockchin de "neo–anarquistas" de direita, que abandonaram "a luta dos trabalhadores". Fazendo uma breve análise destas questões, no caso específico dos anarco–sindicalistas, existe um equívoco em relação a este assunto. Primeiro por que estes não consideram estas questões. As suas avaliações são realizadas em categorias cristalizadas, desconectadas com o real, feitas na maioria das vezes de forma apriorística, e não que os companheiros sejam obrigados a uma “concordância” inexorável e a se tornarem PhDs em ecologia social, mas um pouquinho de sensibilidade e menos ortodoxias ajudariam bastante a sensibilizarem–se a novas e pertinentes questões. Talvez em Portugal seja um pouco como no Brasil. Em segundo, o anarco–sindicalismo ainda está atrelado ao paradigma da "luta econômica industrialista", sendo que é observado que esta tendência e as suas organizações não são mais um movimento preponderante, e nem representam mais uma alternativa concreta de transformação social. Sua preocupação primordial é promover a luta econômica industrial com tintas "anárquicas", mas estes hoje apenas sobrevivem em formas mumificadas e em discursos radicalmente ultrapassadas, convertendo–os assim em ortodoxos.
Em relação à dicotomia Ecologia Profunda e Ecologia Social, a questão às vezes é meio espinhosa, mas mesmo assim há de se aprender muito com a prática e a teoria das duas vertentes. A princípio, deve-se observar e esclarecer que no caso da Ecologia social esta não consiste numa organização e sim em uma elaboração teórica e proposta, como tantas outras teses anarquistas: o apoio mútuo, a desobediência civil, a ação direta, a autogestão etc. Nos EUA esta prática habita duas esferas: a acadêmica, como uma espécie sui generis de transdiciplinaridade, e o ponto programático, idéia-força, tese e princípio dos grupos organizados anarquistas. Porém existem grandes polêmica sobre os limites desta última esfera por parte de outros ecólogos sociais.

No caso da Ecologia Profunda, esta pode ser considerada como um conjunto de princípios éticos sobre toda forma de vida no planeta, seja humana ou não-humana, como são trabalhadas as categorias de discurso por parte dos ecólogos profundos. Como foi dito antes, a principal organização política que adota esta teoria é a já referida EF!, mas também há a incorporação de pequenos grupos pacifistas e de direitos e liberação animal.

A EF! advoga uma profunda transformação nas estruturas econômicas, políticas e das mentalidades. As suas "ações diretas" de eco-sabotagem são contra os agentes diretos da poluição e depredação da natureza. O alvo principal é o grande capital das megacorporações transnacionais e também nacionais. Tem se observado que nos últimos anos, nas fileiras da EF!, tem crescido bastante o número de militantes de orientação anarquista.

Visto isso, pode-se interpretar que as posições de luta pela melhoria da qualidade de vida das comunidades humanas com uma conseqüente transformação "profunda" da sociedade a pressupostos de defesa de quaisquer formas de vida e seus ecossistemas não são contraditórios e nem oponentes. A dicotomia entre antropocentrismo e biocentrismo é falsa. Mas ocorre um fato além da vaidade e briga por espaço político. Acontece realmente que adeptos da Ecologia profunda, eventualmente, e alguns setores, têm a tendência há um certo "fundamentalismo biológico preservacionista", e talvez isto seja reflexo das proposições do próprio Foreman. Mas o seu empenho ativista, dedicação e base ética bem constituída na esfera da condução filosófica do ativismo, são invejáveis, mesmo se estes ainda engatinharem na clareza de sua análise social para a "comunidade humana". Enquanto que com a ecologia social, esta tem claras e objetivas propostas em relação ao social, mas apenas principia-se em uma visão mais holística com outros elementos vitais ao ser humano e à vida. Prendem-se a vícios do passado que também atrapalham com que esta visão se amplie.

Estas teses e proposições ideológicas, metodológicas, filosóficas, científicas, práticas e éticas devidamente criticizadas são possivelmente intercambiáveis aqui no Brasil. Jamais devemos ser certos de nossas certezas em demais pois isto atrofia a prática, esteriliza a reflexão e dogmatiza o espírito, mas mesmo assim nas condições tropicais brasileiras talvez seja possível florescer uma "Ecologia social de visão profunda" como uma linha de interpretação do mundo e linha de ação. O nosso patrimônio biológico, multicultural, humano e social podem contribuir muito para com a nossa própria sociedade e por que não com o próprio planeta. Esta temática e este tipo de proposta com certeza enfrentaram (e enfrentam) resistências infundadas ou talvez preconceituosas.

Dado que os anarquistas brasileiros, muitos, mas não todos, sofrem de uma estranha doença "da auto-afirmação", depois de anos de inação e auto-enclausuramento em conventos culturalistas, agora que estes estão começando a despertar para a ação nas gerações mais recentes sofrem desta estranha patologia, que é repetir retoricamente um anarco-comunismo datado combinado aos vícios da visão anarco-sindicalista com práticas de análise em “dogmatismos principistas” da esquerda tradicional. Mas esta crítica está associada apenas aos reprodutores da “velha escola” e “culturalistas de classe média” por que já existe uma nova geração composta de elementos sinceros e tolerantes que estão trabalhando para alavancar as lutas sociais vitais para a nossa sociedade.

Pois é nítido, empiricamente comprovado, que o paradigma cartesiano-mecanicista, “industrialista” e utilitarista-econômico hoje, com o processo de globalização, porá em cheque a humanidade e quaisquer formas de vida ameaçando severamente a Mãe Terra.

A militância libertária para este princípio de terceiro milênio além de não transigir com os seus princípios vitais incorporados nas lutas populares, deve ter uma atuação prática dentro de uma visão multidimensional, ou seja, signatária de novos paradigmas Holísticos e transdiciplinares filosóficos-científicos como também otimisadores de outras tradições, saberes; o intuitivo com o racional conjugado com os saberes populares e comunitários, e também dos saberes milenares dos povos ancestrais “originários”, africanos, indígenas e etc. Pois urge cada vez mais o rompimento com as metafísicas mistificadoras religiosas tanto quanto com os vícios e males do materialismo. Deixemos isto para o marxismo.

Neste tempo de demanda por transformações politico–sociais, é contatado que novas formas de conhecimento como a ecologia, que por acaso significa o “estudo da casa”, ou seja ambiente, universo, requer o trabalho sócio-cultural da consciência ambiental irmanado com a questão econômica. Economia significa administração da casa, do ambiente. Para continuarmos a viver e não meramente sobreviver como humanos devemos entender e lutar por quem vai “administrar”, respeitar ou arrumar a casa. Nós todos ou uma casta genocida?

Tanto se fala entre os anarquistas brasileiros e outros ativistas populares na defesa de uma concepção de acordo com a cultura popular brasileira e latino-americana e se faz tão pouco para implementá-la. O paradigma Holístico é uma janela que se abre para esta questão.

Afinal de contas o termo libertário hoje é um conceito muito amplo. Ele não é mais de nenhuma forma monopólio dos anarquistas, devemos ter consciência disto, pois dentro dos próprios princípios dos “autonomistas” europeus, por exemplo, admite-se que em outras culturas, de outros continentes surjam formas diversas de “libertários”. Os “Resistentes”, “Magonistas” e “Zapatistas” podem enquadrar-se neste caso, ou seja, sermos globais, internacionalistas, sem esquecermos de quem somos ou dos nossos rituais culturais comunitários.

O que se entende por "libertários" são aqueles que lutam e ao mesmo tempo têm como princípio a liberdade. Isto dado não apenas numa forma idealizada e abstrata, metafísica, e sim com práticas concretas como, ação direta, descentralização, democracia direta horizontalizada, fóruns coletivos públicos de deliberação e federalismo. Dentro destes princípios existe hoje uma grande multiplicidade de correntes e movimentos sociais adeptos tais como os autonomistas, movimento Zapatista no México, movimento Okupas na Espanha, movimentos ecológicos, ação global dos povos, movimentos indígenas etc. Somente dialogando apoiando, agindo conjuntamente e incentivando estas iniciativas contra o verdadeiro adversário da humanidade que é o capitalismo “globalitarista” promotor de guerras, genocídios e ecocídios, somente através de alianças em “rede” e horizontalizadas que as pessoas poderão resistir “globalmente.”

Desconstruindo quaisquer formas de obscurantismos, mentalidades confortantes e acomodadas mal-disfarçadas de principismo, poderá se construir uma democratização econômica com a descentralização produtiva, com gestão comunitária em rede gerando empregos saudáveis e para todos em oposição às concentrações da produção industrial que é hierárquica, sexista, anti-humana e poluidora. Características típicas da economia capitalista.

Pode-se afirmar que a vida na terra seja humana e não-humana, seja comunitária e que os ecossistemas estão além do que nossas arbitrárias medidas de valores supõem.

Para esclarecer melhor o que foi discutido neste ensaio é recomendada a leitura de obras dos autores clássicos tais como Petr Kropotkin, os irmãos Reclus e de autores recentes como Felix Guatarri, Cornelius Castoriadis, Fritjof Capra, Michel Foucault, Arne Naess, Murray Boockchin, Lewis Munford e Pierre Clastres.

Concluindo, para se trabalhar de forma concreta a consciência ambiental e ecológica, de nossa casa que é o mundo, com um processo de aprofundamento da tomada de consciência social é pertinente se trabalhar na educação popular incluindo na sua área temática e didática a educação ambiental. E esta Educação popular pode apoiar-se no seguinte tripé temático: pedagogia libertária, estudo e aplicação da ecologia social mesclada à ecologia profunda e práticas técnicas para a melhoria direta da comunidade feita em regime de mutirão.

A pedagogia libertária é a educação na vida e a ecologia é a ética na ciência conjugando um “modo de vida” voltado para a vida.

Coletivo Domingos Passos - São Gonçalo, 2001.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Perspectivas sobre a Ecologia Social

"A dominação da natureza pelo homem tem origem na própria dominação do humano sobre o humano."A Ecologia da Liberdade, pág. 1, Murray Bookchin

A ecologia social reclama que a crise ambiental é um resultado da organização hierárquica do poder e da mentalidade autoritária, enraizada nas estruturas da nossa sociedade. A ideologia ocidental da dominação da natureza advém destas relações sociais.
A alternativa é uma sociedade baseada em princípios ecológicos; uma unidade orgânica na diversidade, liberta da hierarquia e baseada no respeito mútuo pelo interrelacionamento de todos os aspectos da vida. Se mudarmos a sociedade humana, as nossas relações com o resto da natureza também se modificarão.

Princípios chave:

O cerne da ecologia social é que os problemas ecológicos advêm de enraizados problemas sociais. A hierarquia social e as classes sociais legitimam a nossa dominação do ambiente e suportam o sistema consumista;

"As causas profundas dos problemas ambientais são o comércio pelo lucro, a expansão industrial e a identificação do ‘progresso’ com os interesses corporativos."O que é a Ecologia Social?, Murray Bookchin

O dano ecológico praticado pela nossa sociedade é mais do que equivalente ao mal que inflige à própria humanidade. A Ecologia Social acentua que o destino da vida humana segue palmo a palmo com o destino do mundo não-humano.

"Os ecologistas Sociais acreditam que coisas como o racismo, o sexismo, a exploração do terceiro mundo são produtos do mesmo mecanismo que causa a devastação das florestas tropicais."Filosofia ambiental: Dos direitos dos animais à Ecologia Radical.

"A ecologia mostra que a natureza nos pode fornecer princípios éticos. Um ecossistema vigoroso maximiza a diversidade e a interacção e minimiza a hierarquia e a dominação. O melhor de tudo é que é arquivado/conjugado/alcançado através de uma ‘individualidade rica e um complexo interrelacionamento das partes.’"Renovando a Terra, John Clark, pág. 5

Maria Silva

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

ECOLOGIA SOCIAL VERSUS ECOLOGIA LIBERAL

A ecologia é a ciência das trocas e dos equilíbrios naturais, isto é, ciência que trata das relações entre os seres vivos, plantas e animais, e entre estes e o seu meio e habitat.

Ao lado desta ecologia natural, pertencente ao domínio das ciências da natureza, juntamente com a biologia e a geografia física, desenvolveu-se, entretanto, a partir daquela uma ecologia politica que estuda o impacto das actividades humanas, nomeadamente as de carácter económico e produtivo, sobre aqueles equilíbrios naturais. Pela sua abordagem específica da realidade envolvente, a ecologia mantém uma relação conflitual com a tradicional ciência económica, vista as mais das vezes como um verdadeira ideologia dominante da civilização industrial, mercantil e produtivista do capitalismo.

A ecologia política deu origem, desde os anos 60/70 do século XX, a um crescente e cada vez mais poderoso movimento social, o ecologismo, cujo objectivo é mudar a forma como se produz e como se consome a fim de preservar o ambiente natural.

Dentro do ecologismo podemos encontrar várias teorias/doutrinas ecologistas, todas reclamando a necessidade de defender o ambiente natural.

No plano filosófico há fundamentalmente uma oposição entre uma ecologia antropocêntrica, que coloca o homem no centro do seu concepção, e uma ecologia biocêntrica, que preconiza um descentramento daquela visão de molde a envolver todos os seres vivos, não só os seres humanos como também os animais e as plantas.

No plano económico diferenciam-se duas concepções contrárias: a ecologia liberal e a ecologia social.

A ecologia liberal lança os seus fundamentos nos mecanismos do mercado e acredita que através de uma legislação normativa apropriada será possível resolver os problemas ambientais que afectam as sociedades contemporâneas. Na linha desta visão ambientalista, os seus representantes defendem a chamada internalização dos custos (e prejuízos infligidos à natureza) através do cálculo económico e contabilístico das empresas e das famílias ( com a consequente criação de taxas e de subsídios, tal como acontece para com qualquer outra actividade económica ), a promoção da investigação e da inovação técnica ( para se obter técnicas produtivas limpas, como os carros não-contaminantes, etc), assim como o desenvolvimento do denominado capitalismo verde (eco-business, eco-indústrias, etc, etc) que permitirão gerir economicamente os recursos da natureza, sem causarem grande impacto sobre as grandezas macro-económicas como o PIB, o emprego e o crescimento económico. No fundo, a ecologia liberal pretende substituir o capital natural pelo capital técnico como único meio para garantir as capacidades produtivas das gerações futuras.

A ecologia social não tem uma visão economicista dos problemas ambientais, considerando mesmo que a própria economia se tornou com o neo-liberalismo num instrumento de mistificação e legitimação de um sistema sócio-económico depredatório e suicidário, para além de se ter mostrado profundamente iníquo.

Sob a designação geral de ecologia social, originariamente associada a Murray Bookchin, encontram-se no entanto vários autores (Lewis Mumford, J.Ellul, I.Illich, A. Gorz, etc.) e abordagens que questionam o capitalismo, a ideologia produtivista, a sociedade de consumo e de desperdício, assim como as desigualdades sociais, o racismo e o domínio e a exploração de uns homens sobre os outros, abordagens estas que se complementam e que preconizam um novo paradigma (modelo) social e uma nova forma de relacionamento para com a natureza.

Para estes autores a técnicas produtivas da indústria capitalista ao procurarem satisfazer uma necessidade, através da produção industrial das mercadorias, geram outras tantas carências e insatisfações que, num ciclo interminável, aguardam pela sua superação. O crescimento económico, segundo estes autores, alimenta-se dos seus próprios prejuízos e insatisfações que produz incessantemente. A conclusão é, pois, óbvia: a economia tal como a conhecemos, isto é, a economia capitalista é contra-produtiva, já que o crescimento se mostra nefasto, lesivo e ilusório. Nefasto, porque destrói os recursos não renováveis e gere, além disso, altíssimos custos sociais: exclusão, precariedade, desemprego tecnológico, alienação social e mercantil, perda do sentido e de autonomia face às forças poderosas do Estado e das grandes mega-corporações, as empresas transnacionais. Ilusório, porque não existe na realidade valor acrescentado senão por via dos preços, e estes não dão conta das inutilidades crescentes (desperdícios,etc) e dos valores perdidos.

Claro está que um questionamento do progresso e do crescimento económico deste género arrasta consigo outros problemas, como o problema do emprego e a indispensabilidade de um outro modelo e de uma outra lógica que não seja o produtivismo economicista de inspiração liberal ( ou marxista) da economia clássica, predominante desde a Revolução Industrial. Uma vez que não haverá empregos para todos haverá então que dividir os rendimentos gerados ( consultar a esse propósito André Gorz) e redefinir o papel do Estado e do mercado, bem como da esfera das actividades autónomas (triângulo de S.C. Kolm).

Nesta perspectiva valorizam-se as actividades autónomas, fora do âmbito do mercado, que são conviviais, que se mostram pouco poluentes , porque utilizam técnicas produtivas alternativas, e são promotoras do salário mínimo universal, o qual deverá ser acrescentado ao elenco já tradicional dos direitos do homem, e como tal qualificado.

O controle das chamadas tecnociências, até agora submetidas aos imperativos económicos do lucro ou do poder ( consultar sobre a matéria L.Mumford, J.Ellul), integram todo um projecto alternativo que valoriza as sinergias comunitárias de cooperação e entre-ajuda, e contesta frontalmente o capitalismo e o seu pretenso realismo em resolver a crise ambiental, cujo desencadeamento e agravamento ele próprio foi o principal responsável.

A ecologia social aponta claramente para a superação do paradigma modernista da ideia de «progresso» e de «crescimento», cujos limites são cada vez mais patentes com o rápido esgotamento dos recursos naturais, remetendo para aquilo que já é designado por alguns como sociedades do pós-crescimento.
(retirado de Pimenta Negra)