quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O Decrescimento, esse desconhecido




O Decrescimento, esse desconhecido

“Todos os que, à esquerda, recusam abordar por este ângulo a questão duma equidade sem crescimento demonstram que, para eles, o socialismo não é senão a continuação por outros meios das relações sociais e da civilização capitalistas, do modo de vida e do modelo de consumo burguês” (André Gorz)

Há cerca de duas décadas Serge Latouche, professor emérito de Economia na Faculdade de Direito, Economia e Gestão Jean Monnet da Universidade de Paris XI, terá sido quem pela primeira vez formulou a noção de decrescimento.

No texto de hoje, darei a conhecer um pouco do conceito, baseando-me no livro de Serge Latouche, intitulado “Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno”, publicado em 2011 pelas Edições 70, de onde extraí todas as citações,

Ao contrário de outros, como o cada vez mais desacreditado conceito de desenvolvimento sustentável que foi adotado pelos governantes, muitas vezes para justificar a tomada de medidas que constituem verdadeiros atentados ambientais e sociais, o conceito de decrescimento não tem tido grande adesão nem mesmo por parte de ambientalistas. Com efeito, estes limitam-se a repetir a noção vaga do desenvolvimento dito sustentável, a cacarejar o óbvio, isto é que é impossível crescer infinitamente num mundo finito, mas omitem que as “produções e estes consumos devem ser reduzidos …e que a lógica do crescimento sistemático em todas as direções …, bem como o nosso modo de vida, devem, portanto, ser postos em causa.”.

Politicamente onde se situam os adeptos do decrescimento? À esquerda ou à direita do espectro partidário?

Não conhecemos nenhum partido político que tenha no seu programa qualquer referência ao decrescimento. O que podemos dizer é que hoje o decrescimento é um movimento social com um símbolo muito conhecido que é o caracol e que “é forçosamente contra o capitalismo, não tanto por lhe denunciar as contradições e os limites ecológicos e sociais, mas antes de mais porque lhe põe em causa “o espírito”…O capitalismo generalizado não pode deixar de destruir o planeta tal como destruiu a sociedade e tudo o que é coletivo”.

Para Latouche “a sociedade do decrescimento não é nem um retorno ao impossível passado, nem uma acomodação ao capitalismo”. Assim, para o autor não é possível contar com a esquerda não marxista que já se acomodou ao poder/sistema, nem nos que acreditam no socialismo produtivista, pois “são duas variantes dum mesmo projecto de sociedade do crescimento baseado no desenvolvimento das forças produtivas, que se considera favorecer a marcha da humanidade em direção ao progresso”. Ainda sobre o produtivismo Latouche acrescenta que “os maoísmos, trotskismos e outros esquerdismos são tão produtivistas como os comunismos ortodoxos.”

Face ao exposto, isto é, se a direita ou a esquerda “tradicional” defendem variantes do mesmo, quem irá “liderar” a mudança que urge?

O filósofo francês Cornelius Castoriadis, citado por Latouche, receia que face a uma catástrofe mundial, o não surgimento de “um novo movimento, um redespertar do projecto democrático, a “ecologia” pode muito bem ser integrada numa ideologia neofascista”.

Termino este texto apresentando o conjunto de oito mudanças que são necessárias para a construção de uma nova sociedade: “reavaliar, reconceptualizar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reduzir, reutilizar e reciclar”.

Para despertar a curiosidade para a leitura do livro, termino com uma explicação do reavaliar. Sobre o assunto Latouche escreveu: “O altruísmo, a cooperação, o prazer do lazer e o ethos do jogo, a importância da vida social, o local, a autonomia, o gosto pela obra bela, o razoável e o relacional, por exemplo, deveriam substituir, respetivamente, o egoísmo, a competição desenfreada, a obsessão pelo trabalho, o consumo ilimitado, o global, a heteronomia, a eficiência produtivista, o racional e o material”.

Teófilo Braga
Correio dos Açores, 31910, 4 de setembro de 2019, p.14

https://outraspalavras.net/sem-categoria/para-compreender-o-decrescimento-sem-preconceitos/