domingo, 26 de agosto de 2018

Em defesa da Reserva Natural da Lagoa do Fogo


Em defesa da Reserva Natural da Lagoa do Fogo

Da criação da Reserva Natural e dos atropelos ao longo dos tempos

A preocupação com a degradação da natureza não é recente, tendo ao longo dos tempos várias vozes se erguido a apelar e a exigir a sua conservação. Em termos de entidades oficiais, a nível mundial, podemos considerar que 1972 foi um ano em que se deram os passos mais importantes com a realização, em Estocolmo, da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano.

Aquele evento, onde foi criado o Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), e aprovada a Declaração do Ambiente que foi considerado por John McCormick como “o acontecimento isolado que mais influiu na evolução do movimento ambientalista internacional” e onde “o pensamento progrediu das metas limitadas de proteção da natureza e conservação dos recursos naturais para a visão mais abrangente da má utilização da biosfera por parte dos humanos”.

Em Porttugal, por aquela altura, foram tomadas algumas medidas para a conservação da natureza que se estenderam aos Açores, como foi a criação no Faial e no Pico de “duas zonas de reserva integral, de acordo com a defesa da Natureza e das espécies florestais existentes”, a zona da Caldeira e a Montanha do Pico.

Na sequência daquela decisão governamental, o jornal Correio dos Açores, em 1972, lançou um apelo, para que a Lagoa do Fogo não fosse esquecida, nos seguintes termos:

“…acode-nos ao bico da pena o caso especial da nossa Lagoa do Fogo, de longa data a carecer de igaul medida ministerial, na justa defesa da sua beleza primitiva à volta de um conjunto panorâmico que importa salvar integralmente e enquanto é tempo”.

Há 46 anos, a visão profética do Correio dos Açores parece que se está a concretizar hoje com o aumento do fluxo turístico para a Região. Assim, a criação da Reserva da Lagoa do Fogo e de outras em várias ilhas, segundo o jornal, destinava-se a potegê-las “da mão do homem” e da “sua fúria por vezes tão destruidora como criminosa”, evitando assim as consequências do facto dos Açores irem “ser considerados como zona prioritária no sector do turismo”.

Criada em 1974, o que tem sido feito até hoje, em que a área está integrada no Parque Natural da ilha de São Miguel, tem sido quase só a mudança da lesgislação, adequando-a às alterações que ocorrem noutras paragens.

Ao longo dos tempos, desde a sua criação, a Reserva Natural da Lagoa do Fogo tem assistido a um conjunto de atropelos à sua integridade enquanto área destinada prioritariamente à salvaguarda dos ecossistemas, características naturais ou espécies de flora e fauna.

Não sendo exaustivos, registamos, a seguir, alguns exemplos onde a atuação das entidades foi de autorização, conivência ou inação:

- A plantação de extensas matas de criptoméria;
- A apanha de “leiva” para o cultivo do ananás;
- Associada à extracção de leiva, a propagação das espécies exóticas e invasoras como a Clethra arborea, a Leycesteria formosa, a conteira, a silva, o pica-rato e o gigante.
- A plantação de vastas áreas de eucaliptos na encosta Sul, nomeadamente no Pico da Praia;
- A tentativa, concretizada, de ajardinar e plantar ornamentais, como azáleas, cedros, hortênsias na encosta Sul, por parte dos Serviços Municipais de Ponta Delgada;
- O pastoreio por cabras e as queimadas provocadas por cabreiros;

Com a redução dos preços das viagens aéreas, o turismo tem crescido, nos últimos anos, na ilha de São Miguel e com ele, para além dos bem-vindos benefícios para a economia local, surgem os problemas associados à sobrecarga humana das zonas visitadas, entre as quais as mais sensíveis, as áreas protegidas.

Nada que não fosse de esperar, mas que o governo regional, uma vez mais, não quis ou não foi capaz de, atempadamente, tomar medidas para não depenar ou mesmo matar a nossa galinha dos ovos de ouro, o património natural dos Açores.

No caso da Lagoa do Fogo, pensamos que tem havido algum desnorte, quando, por exemplo, houve uma, não pensada, candidatura da praia ao concurso das Sete Praias Maravilhas de Portugal para pouco depois proibir “banhos e natação” ou quando se estabeleceu um prazo, muito alargado, para que um grupo de trabalho apresente medidas para regular o acesso à lagoa e conservar a qualidade da água.

De uma recente visita

No passado dia 22, acompanhado de familiares, uma das quais, em 1981, havia feito parte do percurso comigo, decidi descer à Lagoa do Fogo, contornar as suas margens e caminhar até Água d’ Alto, passando pelo percurso pedestre das Quatro Fábricas da Luz.

Começando pelo trilho que liga o miradouro à lagoa, verifico que há uma grande alteração no trajeto. Com efeito, há alguns anos quase não havia necessidade de escadas, pois o mesmo serpenteava aproveitando as curvas de nível. Hoje, com as escadas ter-se-á diminuído a distância, mas tornado tanto a subida, como a descida mais difíceis para quem não tenha uma boa condição física. Além disso, se se pretende oferecer qualidade a quem nos visita, o estado em que se encontram os degraus é deplorável e mesmo perigoso. Assim, alguns estão partidos e outros com desníveis muito altos e com ferros espetados, resultado da falta de manutenção e da erosão provocada pela água das chuvas que não foi devidamente desviada.

No que diz respeito à vegetação, verifico uma maior presença de espécies exóticas, algumas delas invasoras, entre elas destaco as conteiras. Também, não faz qualquer sentido, para além de ser ilegal, se a lei fosse para ser cumprida por todos sem exceção, uma pequena plantação de criptomérias existentes no inicio do trilho.

Na zona das Captações de Água, que é mantida pelos Serviços Municipalizados de Ponta Delgada, verifiquei que se continua a não perceber a diferença entre uma Reserva Natural e um Jardim. Com efeito, se aqueles serviços ajardinam muito bem as zonas onde mantêm as suas captações, na Reserva Natural deviam respeitar a legislação e não introduzir exóticas, como azáleas e hortênsias e muito menos penachos, uma terrível espécie invasora que facilmente domina a vegetação herbácea e arbustiva. Como só detetamos a presença de duas plantas, sugerimos a sua retirada antes que as mesmas se propaguem, o que tornará, mais tarde, difícil e cara a sua erradicação.

O aumento das espécies invasoras mostra que o combate às mesmas não passou de conversa para encher papel ou de meras ações pontuais, como aconteceu nesta reserva em 2009, quando foi contratada uma associação ambientalista para fazer o combate às mesmas, como reação a algumas ações de limpeza de infestantes organizadas pela efémera Liga dos Amigos da Lagoa do Fogo.

Por último, uma referência à fiscalização e à educação ambiental ou à ausência das mesmas. É lamentável que quando por quase todo o lado se construíram Centros de Interpretação, alguns megalómanos, a Reserva da Lagoa do Fogo tenha ficado no esquecimento e que a educação ambiental que já teve melhores dias nos Açores tenha desaparecido.

A par da prioritária educação ambiental, esta Reserva precisa de uma fiscalização permanente, sobretudo nos meses em que o número de visitantes é maior.

Teófilo Braga
(Correio dos Açores, 31607, 26 de agosto de 2018, pp. 6 e 7)