Pela criação de um Colectivo Açoriano de Ecologistas que tenha por objectivo a reflexão-acção sobre os problemas ambientais, tendo presente que estes são problemas sociais e que a sua resolução não é uma simples questão de mudanças de comportamentos, mas sim uma questão de modelo de sociedade.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Associativismo, Política e Protecção Animal
“Amamos mais o lucro que a vida, estamos mais empenhados em salvar o sistema económico-financeiro que a humanidade e a Terra”
Leonardo Boff, teólogo brasileiro
Neste texto, pretende-se dar início a uma reflexão sobre a possibilidade ou não de na sociedade actual, capitalista e neoliberal, haver respeito para com os animais não humanos e tentar encontrar explicações para o facto da questão animal não ser uma causa das associações ambientalistas.
Embora sempre presente no nosso espírito, consideramos que a necessidade da reflexão veio à tona aquando da recente campanha contra a introdução da sorte de varas (e touros de morte), nos Açores. Assim, algumas pessoas aconselhavam-nos a não introduzir, nas nossas posições públicas, argumentos de carácter económico e ou político e outros, ligados ao movimento ambientalista, questionavam a razão de uma ONGA- Organização Não Governamental de Ambiente de âmbito regional estar, entre as pessoas singulares e colectivas, envolvida na mencionada campanha, alegando que a questão dos maus tratos (tortura, no caso em apreço) nada ter a ver com a defesa do ambiente.
O não ou o quase nulo envolvimento da maioria das ONGAS na campanha contra a sorte de varas tem várias razões de que destacamos as seguintes: a quase inactividade de muitas delas, a baixa participação dos associados, a transformação de algumas em extensões dos serviços governamentais, o facto de outras não passarem de prestadoras de serviços e o entendimento de ambiente como uma mera questão de carácter “científico”, a ser tratado, apenas, no âmbito da biologia, da ecologia e da engenharia do ambiente, ignorando o facto dos problemas ambientais serem problemas sociais.
Não sendo a temática do bem-estar animal ou dos direitos dos animais abordada ao longo do currículo escolar de alguns dirigentes associativos e não trazendo a sua abordagem qualquer mais-valia, pensam eles, ao seu curriculum vitae, fica, à partida, excluída das suas preocupações. Por outro lado, apesar das suas declarações de amor ao ecocentrismo, continuam, na prática, agarrados aos velhos valores do antropocentrismo, não atribuindo qualquer valor intrínseco aos animais, a não ser àqueles que consideram que desempenham algum papel importante na manutenção dos ecossistemas.
Sendo o referido o que se passa nas associações ambientais, por que razão houve um silêncio quase absoluto, por parte das associações de defesa dos animais em relação a uma causa que lhes deveria ser muito querida, o não incremento dos maus tratos animais, no caso da campanha mencionada aos touros?
Por algumas das razões apontadas para as ONGAS e pelo facto da maioria dos activistas actuar por amor e compaixão para com os animais e não tendo uma visão global delimitam o seu campo de acção ao estado dos canis municipais e ao bem-estar dos cães e gatos. Outra razão, bastante forte, está relacionada com o facto dos principais dinamizadores das associações de protecção dos animais não possuírem consciência política ou, tendo-a, por uma razão ou outra, não querem perder as migalhas que as suas organizações recebem por parte de políticos e governantes, aos mais diversos níveis, adeptos da tortura animal legalizada.
Por último, será que a promoção dos direitos dos animais pode ter algum sucesso na sociedade actual?
É sabido que o objectivo primeiro do capitalismo é a maximização dos lucros e a socialização dos prejuízos, contando para tal com o imprescindível apoio dos Estados, intitulem-se eles liberais, democratas, populares ou socialistas, escravizando parte dos humanos e desrespeitando os animais.
Com a crise mundial em que estamos mergulhados, tem havido recuos nos direitos sociais e laborais e a democracia consiste apenas em eleger, de vez em quando, quem melhor vai servir os interesses capitalistas, depois de campanhas publicitárias muito semelhantes às de quem pretende vender sabonetes. Mas não são só as pessoas as vítimas, os animais não ficam à margem. Só assim se compreende a vergonhosa tentativa de introduzir touradas picadas (e touros de morte, a seguir) e o aparente sucesso conseguido com a introdução recente de touradas à corda e vacadas na ilha de São Miguel com o único objectivo de tentar salvar a tauromaquia de alguns terceirenses, que é uma indústria em dificuldades que só sobrevive graças a apoios, declarados ou escondidos, de fundos europeus, governamentais e autárquicos.
Mas, nem tudo está perdido, na sociedade açoriana, também, tem havido alguns avanços de que são exemplos, o empenho de muitas pessoas na campanha contra as touradas picadas, o número crescente de colaboradores na campanha SOS- Cagarro e o cada vez maior número de pessoas que trata convenientemente dos seus animais de companhia.
O desrespeito para com os animais merece, de todos nós, uma posição firme de denúncia pública dos prevaricadores e uma profunda reflexão acerca das causas que levam à sua persistência e de como combatê-las.
Para nós, a causa profunda do deplorável estado em que se encontram os animais radica no modelo de sociedade que, para conseguir os seus objectivos, transformou grande parte da humanidade e dos animais em máquinas descartáveis. Daí considerarmos que, embora respeitando todas as motivações, a luta pelos direitos dos animais deverá assumir um carácter assumidamente anti-capitalista.
Mariano Soares